Netanyahu e Erdogan a falarem de genocídio

Benjamin Netanyahu e Recep Tayyip Erdogan, em Nova Iorque a 20 de Setembro de 2023. Foto Anadolu aa.com.tr

O que fazer quando dois homens como Benjamin Netanyahu e Recep Tayyip Erdogan têm razão? Não vão longe os dias em que trocavam sorrisos e prometiam colaborar. Precisamente 16 dias antes do ataque do Hamas a Israel, Erdogan recebeu Netanyahu na “Casa Turca”, frente à sede das Nações Unidas em Nova Iorque. O presidente turco disse nesse dia que “a Turquia pode colaborar com Israel nos domínios da energia, tecnologia, inovação, inteligência artificial e cibersegurança, e que deveriam lutar em conjunto para um mundo onde prevaleça a paz”.

Três meses depois zangaram-se por causa da guerra na Faixa de Gaza. Tudo mudou. Agora trocam acusações e sabemos o suficiente de um e de outro – desde a forma como exercem o poder até à pouca essência democrática dos respectivos países – para não estranharmos que assim seja.

No entanto, esta zanga elucida-nos quanto ao que cada um deles faz nos territórios sobre os quais têm autoridade.

Acusações

Erdogan qualificou Israel de Estado terrorista a fazer um genocídio através dos bombardeamentos na Faixa de Gaza e perguntou ao primeiro-ministro israelita (o homem com quem há três meses queria colaborar e trabalhar para a paz…): “Em quê você é diferente de Hitler?”. Erdogan perguntou e respondeu: “não há diferença”!

Benjamin Netanyahu não demorou a responder dizendo que Erdogan é o último a poder dar lições a Israel: ““Erdogan, que está a cometer um genocídio contra os curdos e que detém o recorde mundial de prisão de jornalistas que se opõem ao seu regime, é a última pessoa que nos pode pregar a moralidade”.

Os factos

Depois desta troca de acusações, é perturbador olhar para os factos e constatar que dão razão a Erdogan e a Netanyahu.

Desde 7 de Outubro, o governo de Israel já matou mais de 21.000 palestinianos (70% são crianças e mulheres) e provocou mais de 55.000 feridos em menos de três meses de bombardeamentos intensos e operações militares terrestres na faixa de Gaza; na Cisjordânia são já 315 (77 crianças) mortos palestinianos e quase 4.000 feridos (576 crianças). O Clube dos Prisioneiros assegura que desde 7 de Outubro, Israel prendeu 4.700 palestinianos na Cisjordânia. Se juntarmos a tudo isto a situação dos palestinianos de Gaza, varridos do norte, e agora também do centro do território, encostados ao Mediterrâneo e à fronteira com o Egipto, fica claro que para o governo de Israel, quanto menos palestinianos, melhor.

Quanto à Turquia e a Erdogan, Netanyahu tem razão: 43 jornalistas foram detidos em 2023, um número que os Repórteres sem Fronteiras dizem que demonstra a extensão do uso de detenções temporárias como estratégia de intimidação. Sete destes jornalistas ainda estão presos, 4 deles são curdos. Os curdos (na Turquia, Síria e Iraque) são um alvo constante das forças armadas turcas. Sob a acusação – tal como Netanyahu em relação aos palestinianos – de que está a combater o terrorismo, o governo de Erdogan massacra quase diariamente as milícias do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) que têm bases no norte do Iraque, onde aliás a Turquia tem bases militares. Também na Síria, e com o mesmo pretexto – combater o terrorismo – a Turquia ataca as forças das YPG, milícias próximas do PKK. A Turquia mantém ainda presença militar no norte da Síria onde também conta com milícias anti-Assad e talvez neste ponto Erdogan e Netanyahu estejam de acordo.

Joe Biden, qual prefere?

Vale aos dois que têm a conivência da chamada “comunidade internacional”. Netanyahu e Erdogan bombardeiam países vizinhos e utilizam o poder militar em total impunidade. Netanyahu porque é o aliado e protegido dos Estados Unidos; Erdogan porque a Turquia é membro da NATO e tem tido alguma influência na mediação Rússia-Ucrânia. Basicamente, os dois fazem o que querem, desde que os interesses dos Estados Unidos não sejam beliscados.

Seria muito interessante perguntar a Joe Biden com qual dos aliados concorda.

Curdos e Palestinianos

Entre os devaneios de dois homens que não gostam de ser contestados nem criticados, palestinianos e curdos pagam uma pesadíssima factura. Dois conflitos que nasceram da política das potências europeias desde o início do século passado. Curdos e Palestinianos, vítimas dos Tratados Internacionais e do espírito imperial que algumas grandes potencias europeias ainda disfarçam mal. Curdos e Palestinianos, que mal fizeram eles ao mundo?

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