E se eu vivesse na Faixa de Gaza?

Arredores de Khan Younes, 25 de Janeiro de 2009, poucos dias após o final da guerra 2008/2009. Foto: jmr/arquivo

E se eu fosse palestiniano? E se eu vivesse na Faixa de Gaza? Nunca saberemos responder a estas perguntas mas podemos abrir os olhos para o que está a acontecer e devemos tentar encontrar respostas. As perguntas não são retóricas, é mesmo um desafio para que cada um tente encontrar a sua resposta. Façamos, por um momento, a vontade aos que não se cansam de repetir que a guerra na Faixa de Gaza começou a 7 de Outubro. Voltemos ao dia 6 de Outubro, ou ao mês de Outubro de 2022, ou a todos os dias dos meses de Outubro da última década… que vida era a dos palestinianos na Cisjordânia ocupada e na Faixa de Gaza?

Gaza trancada

De Gaza ninguém sai. Israel retirou os colonatos em 2005, mas continuou a controlar o território. Depois das eleições que o Hamas venceu em 2006, o cerco apertou-se. Fronteiras terrestres, aéreas e marítimas controladas por Israel com o apoio da chamada “comunidade internacional”. Não é por acaso que o Hamas criou uma rede de túneis (lembram-se da guerra do Vietnam?). Aliás, os túneis (com ligação ao Egipto) serviam principalmente para fazer contrabando de produtos que, de outra forma, não podiam entrar na Faixa de Gaza. As várias guerras que atingiram a faixa de Gaza deixaram uma lista de milhares de mortos e mutilados.

Com excepção de um número muito limitado de pessoas que tinham autorização para trabalhar em Israel, de alguns casos de tratamentos médicos e de estudantes que obtinham bolsas no estrangeiro, a esmagadora maioria da população estava condenada a viver na prisão de Gaza.

Cisjordânia fechada

Na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental era (e é) a perseguição constante. Postos de controlo por todo o lado; incursões militares nas aldeias e cidades palestinianas que provocam mortes e servem para prender pessoas, destruir casas e infraestruturas; a aplicação arbitrária do recolher obrigatório; a proibição quase permanente de rezar nas mesquitas da cidade velha. Todo um conjunto de humilhações que torna a vida impossível.

O que diria a chamada “comunidade internacional” se os palestinianos praticassem os assassínios selectivos tal como Israel faz?

As promessas da chamada “comunidade internacional” aos palestinianos têm décadas, as mesmas décadas da humilhação infligida por Israel. Nada mudou em todas essas décadas a não ser o peso da ocupação israelita e o preço que os palestinianos estão a pagar. Tudo sempre a piorar. Os Direitos legítimos que eram devidos aos palestinianos nunca passaram do papel dos acordos internacionais e das resoluções das Nações Unidas.

Tentemos então fazer esse exercício de nos colocarmos nos sapatinhos do outro, dos palestinianos. Como é que cada um de nós, sofrendo o que os palestinianos sofrem, deveria lutar contra a ocupação da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental, e contra o cerco à Faixa de Gaza. Como? Cada um encontra a sua resposta e confronta-se com ela. Ou a resposta será a submissão e a rendição?

Ocupação

As respostas que cada um conseguir encontrar podem eventualmente conduzir a outras perguntas: quem aterroriza quem? Os que reagem à ocupação militar e civil com os meios que conseguem inventar perante um desproporcional poder financeiro e militar ou os que atropelam o Direito Internacional e impõem uma ocupação feroz que tenta amachucar a dignidade dos ocupados e retirar-lhes qualquer esperança de futuro? É importante encontrar estas respostas.

Segundo as Nações Unidas, entre 2008 e Setembro de 2023, foram mortos 6.400 palestinianos e 308 israelitas. Na guerra que está a decorrer, neste momento já morreram mais de 21.000 palestinianos e cerca de 55.000 ficaram feridos. O ataque do Hamas a 7 de Outubro e a guerra já provocou pelo menos 1.300 mortos israelitas (civis e militares).

O jogo maior

É evidente que o que está em jogo na Palestina e nesta guerra é muito mais do que o futuro dos palestinianos e/ou a criação de um Estado palestiniano. Basta ter em conta os actores envolvidos e temos resposta a essa questão, mas é lamentável continuar a ler e a ouvir comentadores que tentam levar-nos a acreditar que tudo começou a 7 de Outubro. Alguns até dizem que foi o “11 de Setembro” de Israel. Deixam a ideia de que antes de 7 de Outubro nada aconteceu. Mas aconteceu, e muito. Se, para outros momentos do conflito, aplicarmos a mesma lógica desses comentadores, quantos “11 de Setembro” viveram os palestinianos antes deste 7 de Outubro? Houve até quem, seguindo fervorosamente a narrativa israelita, comparasse o Hamas à organização Estado Islâmico, embora deixassem cair o argumento quando perceberam o ridículo.

As guerras que têm atingido a Faixa de Gaza – esta com uma intensidade inédita – têm uma particularidade que as tornam diferentes de todas as outras: há mais de dois milhões de pessoas que não conseguem fugir do território que está a ser bombardeado: ou têm a sorte de nenhuma bomba lhes cair em cima, ou morrem. É por isso que já não é uma guerra, mas sim uma carnificina. Para além da tentativa de expulsar os palestinianos de Gaza, assistimos a uma vingança, sendo que a vingança nunca conduz a qualquer resultado positivo, contribuindo apenas para uma espiral de violência. Não é assim, instigando ódios, que Israel vai conseguir a segurança que pretende obter.

Nada do que fica escrito é uma justificação ou um apoio ao ataque do Hamas a 7 de Outubro. É bom que fique claro. Mas não é possível pretender que toda a complexidade do conflito seja reduzida aos acontecimentos desse dia, porque isso é distorcer a história, é enviesar a análise e significa tentar encontrar resultados que estão viciados à partida. E é preciso sublinhar, sempre, que há uma ocupação e que os palestinianos são as vítimas dessa ocupação.

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