Nem os cemitérios escapam

Cemitério Al Faluja em Jabalia, 13 Dezembro de 2023. Destruição provocada por carros blindados israelitas. Foto: Abed Sabah/Reuters

O horror da guerra, potenciado pela noção de que o mais forte tudo pode, está a provocar um massacre na Faixa de Gaza. Essa impunidade de Israel – porque de outra coisa não se trata – ceifa milhares de vidas humanas, deixa milhares de feridos, órfãos, mutilados e quase não deixa pedra sobre pedra. Hospitais, escolas e universidades, outras instituições que ao longo dos anos têm sido fundamentais para a vida dos palestinianos, estão destruídas.

Cemitério em Shujaiya, arredores de Gaza. Captura de ecrã tunisienumerique 11de Dezembro de 2023

A Faixa de Gaza está transformada num monte de ruínas onde também há mesquitas e igrejas. Os cemitérios da Faixa de Gaza também não escapam. Os bombardeamentos e os carros blindados israelitas desfazem os locais onde os mortos da Faixa de Gaza poderiam descansar em paz. Não podem. As sepulturas são destruídas pelas bombas e pelas lagartas dos blindados. É como se os mortos de Gaza morressem uma segunda vez. As famílias fazem um segundo luto.

Arcebispo Alexios da Igreja Grega Ortodoxa, em Gaza, entre túmulos destruídos por ataque aéreo israelita. Foto a 10 de Agosto de 2014, de Lefteris Pitarakis

Mas as imagens de cemitérios atingidos por bombas não são novas na Faixa de Gaza. Esta imagem (acima) é precisamente de um desses momentos (10 de Agosto de 2014), com o Arcebispo da Igreja Grega Ortodoxa de Gaza junto de túmulos destruídos por um ataque aéreo israelita. A escala é, agora, diferente, mas os palestinianos sabem que em Gaza tudo pode ser um alvo.

Cemitério britânico

Gaza tem um cemitério centenário – o “cemitério britânico” – com cerca de quatro mil e quinhentas sepulturas de militares que combateram na I Guerra Mundial. Este cemitério é também uma homenagem aos militares muçulmanos, siques, cristãos e judeus (fotos abaixo) que morreram no conflito. Todas as sepulturas são cuidadas com a mesma dignidade e zelo por parte do homem – Mohammed Awaja – que trata(va?) da manutenção do espaço, cortando e regando a relva, e tratando cada pequena flor junto das sepulturas. Em 2012, Mohammed viu o seu trabalho reconhecido pela Comissão da Commonwealth para as Sepulturas de Guerra.

Sepultura de um militar judeu no Cemitério Britânico em Deir Al Belah, na Faixa de Gaza. Foto: jmr/arquivo 2017

O Cemitério Britânico – quando o visitei em 2017 – em Deir Al Belah, era um espaço digno, de paz e em que os mortos não sofriam qualquer discriminação em função da religião, etnia ou origem. Assim foi mantido e alguma coisa isso quererá dizer.

Memorial a militares muçulmanos do exército indiano no Cemitério Britânico em Deir Al Belah, na Faixa de Gaza. Foto: jmr/arquivo 2017

É impossível saber como está agora o Cemitério Britânico de Gaza, situado na parte nordeste do território, não muito longe do campo de refugiados de Jabalia, sendo que todo o norte da Faixa de Gaza há quase três meses que está a ser fortemente fustigado pelos bombardeamentos israelitas.

A dignidade da morte

A violência extrema que se vive no território palestiniano, obriga quase desde o início desta guerra a que muitos corpos sejam sepultados em valas-comuns porque em muitos casos foi impossível fazer funerais em segurança ou porque o acesso a alguns cemitérios é impossível. Para além de matar palestinianos de forma indiscriminada, dizendo sempre que tem a máxima preocupação em evitar vítimas civis, o exército israelita nega às vítimas a possibilidade de um funeral digno e de um local onde possam descansar em paz. Talvez porque, disseram-no vários responsáveis políticos e militares israelitas, na Faixa de Gaza vivem palestinianos que são “animais horríveis e desumanos”. A História os julgará.

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