Se ainda houvesse dúvidas sobre a política israelita…

Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, na Assembleia-Geral da ONU a 22 de Setembro de 2023. Foto: Reuters

Reino Unido, Canadá e Austrália, reconheceram hoje (domingo, 21) o Estado da Palestina. Pouco depois, surgiu o reconhecimento português, feito simbolicamente na Missão de Portugal na ONU.

Ainda Paulo Rangel não tinha feito essa declaração formal de reconhecimento do Estado da Palestina e já se conhecia a reacção do governo israelita. Justiça lhe seja feita, Benjamin Netanyahu, diz há muito que não permitirá um Estado da Palestina e reafirmou-o no dia em que esse Estado foi reconhecido por vários países. Houve quem o subestimasse ou apenas não o quisesse ouvir, e talvez por isso o primeiro-ministro israelita foi agora muito explícito: “tenho uma mensagem clara para os dirigentes que estão a reconhecer um Estado palestiniano depois do massacre horrendo do 7 de Outubro: estão a recompensar o terror com um enorme prémio. E tenho uma outra mensagem para vós: isso não vai acontecer. Não haverá nenhum Estado palestiniano a oeste do rio Jordão. Durante anos, impedi a criação deste Estado terrorista, sob uma pressão tremenda, tanto interna como externa. Fizemo-lo com determinação e com astuta habilidade política. Além disso, duplicámos os colonatos judaicos na Judeia e na Samaria (designação israelita para a Cisjordânia ocupada) e continuaremos nesse caminho. A resposta à mais recente tentativa de nos impor um Estado terrorista no coração da nossa terra será dada após o meu regresso dos Estados Unidos. Aguardem”. Foi esta a mensagem em vídeo divulgada pelo gabinete do primeiro-ministro israelita em 21 de Setembro de 2025.

O fingimento das negociações

O que Netanyahu não diz explicitamente mas está implícito na mensagem, é que durante todos estes anos andou, como se diz em bom português, a “encanar a perna à rã”, fingindo que negociava a solução dois Estados. Se não houvesse cumplicidade dos países ocidentais com a “única democracia do Médio Oriente” e se os líderes ocidentais tivessem sujado os sapatinhos num passeio à Cisjordânia, saindo da bolha dos grandes hotéis e das grandes viagens institucionais, há muito que teriam percebido a estratégia israelita e teriam visto uma realidade no terreno que negava qualquer possibilidade de avanço de uma solução dois Estados.

Benjamin Netanyahu dá-se ao luxo de dizer que evitou o avanço de um Estado palestiniano com determinação e astuta habilidade política, confessando também os crimes cometidos na Cisjordânia, com a instalação de colonatos. Isto é: conseguiu enganar toda a gente. E não foi pouco: os colonatos duplicaram. Depois da gabarolice, a ameaça: vamos continuar nesse caminho.

Recorde-se que em 2016, o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução (nem os Estado Unidos se opuseram) a considerar ilegais os colonatos israelitas na Cisjordânia, e a própria Comissão de Direitos Humanos da ONU considera que os colonatos são crimes de guerra, porque há uma transferência de população israelita para território ocupado.

Netanyahu sabe disso, mas conta com a impunidade proporcionada pelos Estados Unidos. O primeiro-ministro israelita já foi convidado por Donald Trump para ir à Casa Branca após discursar (26 de Setembro) na Assembleia-Geral da ONU e depois disso promete uma resposta aos que agora reconhecem o Estado da Palestina.

Exigências extremistas

Bezalel Smotrich et Itamar Ben Gvir, dois ministros de extrema-direita do governo de Benjamin Netanyahu, defendem a anexação da Cisjordânia e não será de admirar que Netanyahu lhes faça a vontade.

Em comunicado, Ben Gvir disse que o “reconhecimento de um Estado palestiniano por parte de países como o Reino Unido, o Canadá e a Austrália (…) exige uma resposta imediata: a anexação imediata da Judeia e da Samaria”, apelando também ao “total desmantelamento da Autoridade Palestiniana.”

Quanto a Bezalel Smotrich, recorreu à rede social X para dizer que “a única resposta a este movimento anti-israelita é a anexação das terras da pátria do povo judeu na Judeia e Samaria e o abandono definitivo da ideia absurda de um Estado palestiniano”. Smotrich quer uma resposta de Netanyahu: “senhor primeiro-ministro, chegou a hora e a decisão está nas suas mãos.

A elucidativa reacção de Netanyahu ao reconhecimento do Estado da Palestina feita hoje (domingo, 21) por vários países, e tudo o que tem feito até agora, não deixa a Netanyahu margem para recuar: o caminho é fazer desaparecer a Cisjordânia enquanto território palestiniano. Com eleições no próximo ano e com a necessidade de apoio da extrema-direita, o primeiro-ministro israelita vai a Washington tentar obter apoio norte-americano para concretizar esse objectivo. Se a Casa Branca lhe der esse apoio, a anexação da Cisjordânia poderá ser um facto com que a comunidade internacional irá ser confrontada muito em breve.

Falta saber como irão reagir, e agir, os países que até agora reconheceram o Estado da Palestina. Vão tomar medidas a sério ou vão esperar até que não haja nada a fazer, ouvindo um próximo primeiro-ministro israelita referir-se de novo a uma “astuta habilidade política”?

Há um aspecto que deve ser sublinhado: Netanyahu mantém-se fiel, apesar das nuances, ao objetivo de sempre.

Pinhal Novo, 22 de Setembro de 2025

01h00

jmr

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