A demolição de Gaza

Israe l bombardeou edíficio na cidade dee Gaza alegadamente utilizado pelo Hamas para acções “terroristas”. Foto thenationalnews.com/Reuters

Alguém consegue imaginar o que será arrasar/demolir uma cidade com cerca de um milhão de habitantes? É isso que está a acontecer em Gaza.

Não é apenas mais um ataque a Gaza, não é mais um ataque ao Hamas, não é uma operação para libertar reféns, é uma operação para demolir a cidade de Gaza, capital do enclave palestiniano. Demolir, é a palavra certa. Tudo o que há em Gaza é considerado como sendo uma estrutura ou um meio para utilização “terrorista”. É com base neste argumento que Israel abriu “as portas do inferno” e pôs em marcha a operação com que pretende destruir Gaza, controlar o território e empurrar cerca de um milhão de pessoas para sul do território palestiniano. “Uma vez que a porta se abre, não se fecha”, disse o ministro da defesa, Israel Katz.

A concretização deste objectivo – a demolição – foi desencadeada há alguns dias com uma ofensiva terrestre nas entradas da cidade e tem hoje um sinal maior com o bombardeamento de uma torre de habitação de 14 andares (a torre Mushtaha) que se desfez como um castelo de cartas.

Um membro do gabinete político do Hamas, Izzat al-Rishq disse que “as tentativas do inimigo de justificar o ataque a torres residenciais e a destruição da Cidade de Gaza, com falsas alegações de que o Hamas as utilizou, não passam de pretextos frágeis e mentiras descaradas, cujo objectivo é encobrir os seus crimes hediondos contra civis indefesos e continuar a sua política de genocídio e destruição total da Faixa de Gaza”.

Reféns

Mas um dos problemas que o governo de Benjamin Netanyahu enfrenta desde o início e que está a acentuar-se, é a vida dos reféns. As manifestações dos familiares e amigos dos reféns, e também de outros israelitas que querem que a guerra termine, são uma forte pressão e até Donald Trump reconhece que os “grandes protestos em Israel colocam Israel numa posição difícil”. Referindo-se aos reféns israelitas vivos na posse dos movimentos palestinianos, citado pelo jornal israelita Haaretz, o presidente norte-americano disse esta sexta-feira (5 de Setembro), na Sala Oval, que “são 20 pessoas, mas dessas 20, pode ter havido algumas que morreram recentemente, é o que tenho ouvido. Espero estar enganado”.

Os manifestantes querem o regresso das negociações e dizem aguardar por uma boa notícia: a aceitação da proposta de Witkoff (enviado especial de Trump) como parte de um acordo abrangente para o regresso dos prisioneiros. Netanyahu parece não concordar, prefere o papel de vítima e faz acusações: “Numa democracia, protestar é legítimo. Mas o que está a acontecer nestas manifestações (…) contra o governo ultrapassou todos os limites” (…) “Ameaçam diariamente matar-me, matar o primeiro-ministro e a minha família. Também ateiam fogo (…) tal como as milícias fascistas”. Portanto, chegámos ao ponto em que as famílias dos reféns são consideradas fascistas.

Ausência de resposta de Israel

Israel nem sequer respondeu aos mediadores que apresentaram uma proposta de cessar-fogo aceite pelo Hamas. Quando o Hamas não aceitava as propostas dos mediadores, era responsabilizado por não haver cessar-fogo; agora, que Israel não responde, tudo parece ser normal. A única conclusão possível é que, afinal, é o governo de Israel que não quer, nunca quis, um cessar-fogo, e o mais difícil de perceber é a insensibilidade do governo israelita relativamente à vida dos reféns e à possibilidade que tem de recuperar esses reféns.

A televisão pública israelita citou fontes de segurança que dizem “não haver garantia de que os reféns não serão feridos durante a operação em Gaza, e isso aumenta o risco das suas vidas”. Além disso, o Hamas pode transferir deliberadamente reféns para a Cidade de Gaza. As já referidas fontes de segurança afirmam: “Não sabemos como o Hamas vai lidar com os reféns. Serão necessários vários meses, pelo menos três, de operações militares.”

O jornal israelita Yedioth Ahronoth noticiou esta sexta-feira (5 de Setembro) que Israel teme um cenário em que o Hamas transfira prisioneiros israelitas da cidade de Gaza para a multidão que se vai deslocar para o sul da Faixa de Gaza. Segundo o jornal, o Hamas repetiu esta ordem várias vezes durante a guerra, ocultando os rostos dos prisioneiros para impedir a identificação. O jornal indicou que oficiais superiores israelitas reuniram-se com as famílias dos reféns israelitas e informaram-nas sobre a operação na cidade de Gaza e os cenários que poderão ser perigosos, especialmente porque não têm informações sobre o paradeiro dos reféns

Quem não quer o cessar-fogo?

Apesar de o governo israelita não dar qualquer sinal de vontade de negociar ou de chegar a um acordo de cessar-fogo, o Hamas e também vários líderes políticos israelitas dão sinal dessa vontade de obter um acordo que pare com a guerra e leve à libertação dos reféns.

Só Benjamin Netanyahu e os extremistas Bezalel Smotrich e Itamar Ben Gvir não querem ouvir falar de negociações nem de cessar-fogo. Têm sido várias as mãos estendidas a Netanyahu para que um eventual acordo com o Hamas e a perda de apoio dos partidos extremistas não provoque a sua demissão de primeiro-ministro. Benny Gantz (da União Nacional) e Yair Lapid (do Yesh Atid) já o tinham feito, e agora é Avigdor Lieberman (do Israël Beiteinou): “o governo de 7 de Outubro está a conduzir-nos para uma situação em que estamos quase a um passo do pleno reconhecimento europeu de um Estado palestiniano” (…) “Israel precisa de apresentar uma proposta clara à mesa das negociações: o fim da guerra em troca da libertação de todos os prisioneiros. Só assim a pressão política voltará a virar-se para o Hamas”.

O Hamas continua a não fechar a porta. Depois de dar uma resposta positiva à proposta dos mediadores, há mais de duas semanas, o Hamas diz estar preparado “para assinar um acordo abrangente, segundo o qual todos os prisioneiros inimigos detidos pela resistência serão libertados em troca de um número acordado de prisioneiros palestinianos detidos pela ocupação. Este acordo terminará a guerra na Faixa de Gaza, levará à retirada de todas as forças de ocupação de toda a Faixa de Gaza, abrirá as travessias para permitir a entrada de todos os mantimentos necessários na Faixa e dará início ao processo de reconstrução”. O Hamas aprova também uma administração independente, formada por tecnocratas, para administrar todos os assuntos da Faixa de Gaza e assumir imediatamente as suas responsabilidades em todas as áreas.

As cartas ainda estão em cima da mesa, mas Gaza está a ficar sem tempo. Quase não resta nada. Netanyahu está surdo, a tudo e a todos, menos aos ministros da extrema-direita, aos colonos e aos radicais, que querem a continuação da guerra e a anexação dos territórios palestinianos.

Pinhal Novo, 6 de Setembro de 2025

jmr

00h30

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