Portugal-Marrocos… e Palestina.

A selecção de Marrocos celebrando a vitória no jogo com a Espanha. Foto: Glyn KIRK/AFP

Os jogos entre selecções nacionais adquirem, amiúde, uma dimensão que vai para além do futebol. É assim, queiramos ou não. Desta vez, no Qatar, nos quartos-de-final do Mundial, apesar do lugar-comum do “não há jogos fáceis”, a selecção portuguesa de futebol vai ter pela frente mais do que uma equipa de 11 jogadores a defender a bandeira de Marrocos.

O mundo árabe – para além de todos os problemas que envolvem a atribuição e realização do Mundial no Qatar – recebe a competição pela primeira vez e, também pela primeira vez, uma selecção do “mundo árabe” chega aos quartos-de-final (em termos de países africanos, Camarões, Senegal e Gana, já tinham chegado a esta fase da competição) do Mundial.

Se entendemos Fernando Pessoa quando diz que a “minha pátria é a língua portuguesa” entenderemos facilmente o que o “mundo árabe” sente agora em relação à selecção marroquina. É certo que os povos de Marrocos não são de origem árabe –são berberes – mas a língua árabe chegou ao Magrebe pouco depois da morte do Profeta e é uma das línguas oficiais de Marrocos. É um factor de aproximação entre os povos.

Televisão israelita no Qatar 20 de Novembro de 2022. Foto: twitter de Linah Alsaafin

Outra causa a dar maior dimensão a este feito da selecção de Marrocos, é a questão da Palestina. Após a vitória no jogo com Espanha, a selecção de Marrocos posou para a posteridade com a bandeira da Palestina. Esperemos que a FIFA não tome nenhuma decisão absurda. Aliás, este Mundial tem sido (quem diria?) um palco privilegiado para se perceber o apoio que a causa palestiniana tem no “mundo árabe”. Apesar do processo de normalização das relações institucionais que os governantes de Israel e de vários países árabes encetaram, através dos “Acordos de Abraão”, e de outras aproximações nos casos em que esse formato não foi assinado, a chamada “rua árabe” – o povo – tem um sentir diferente, e oposto, ao dos governantes. Isso ficou expresso nos muitos percalços das televisões israelitas no Qatar – ver artigo de Benjamin Barthe, em M, Le maganize du Monde, “À Doha, le match perdu d’avance des journalistes israéliens”, 3 de dezembro de 2022 – quando muitos adeptos, árabes mas não só, recusaram falar para televisões israelitas em nome da causa palestiniana. Muitos aproveitaram directos das televisões israelitas para mostrarem a bandeira da Palestina gritando “Free Palestine”. Um jornalista referido no artigo admite que alguns adeptos árabes fugiram dele “como se tivesse peste”.

É assim, pela afirmação do “mundo árabe” (que adora futebol e Cristiano Ronaldo) e por todas as causas associadas, que a selecção de Marrocos entra em campo. Os mais focados no futebol poderão dizer que é apenas um jogo de futebol e que os atletas, na hora de entrar em campo, vão esquecer tudo isto. Não é assim, embora falte saber que efeito concreto terá toda essa carga psicológica, sendo que muitos dos futebolistas da selecção marroquina estão habituados à pressão. Certo é que, se Marrocos vencer, a bandeira da Palestina vai continuar a ter destaque. A não ser que a FIFA…

The Nation publica esta foto com a legenda: “Palestina, estrela imprevista do Mundial do Qatar 2022”. Créditos: (AP Photo/Luca Bruno)

E Portugal? Bom, a pressão existe sempre, mesmo que não esteja associada à carga simbólica que a selecção marroquina tem sobre os ombros. Também se poderia dizer que temos essa já longínqua referência de Alcácer Quibir, mas isso foi noutro tempo e o processo está fechado.

Acreditando que todos os jogadores portugueses vão dar o seu máximo para vencer o jogo, tenhamos em conta que do outro lado vai estar uma equipa que também vai dar o máximo e sabe que tem mais a ganhar do que apenas a passagem às meias-finais do Mundial. África e o “mundo árabe”, através da selecção de Marrocos, podem quebrar aquele que tem sido o domínio europeu e sul-americano. Marrocos já quebrou essa hegemonia nos oitavos-de-final. As vitórias recentes da Arábia Saudita e Tunísia, frente à Argentina e França, respectivamente, são sinais a ter em conta.

Em Portugal e onde há portugueses, uma vitória será certamente motivo de festa; imagine-se a festa que será, em África e no “mundo árabe”, se Marrocos sair vencedor.

Que ganhe o melhor e que o melhor seja Portugal!

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