
Não, o mais importante da comunicação do presidente da Federação Russa, não é o anúncio da mobilização de 300.000 reservistas. É certo que o recurso à chamada de reservistas reflecte as dificuldades russas no terreno, e as baixas sofridas, mas ainda não é aquele sinal de desespero que alguns analistas sublinham. Desespero, em termos de mobilização de tropas, seria a mobilização geral e esse sinal Vladimir Putin sabe que não pode dar. Nem aos russos, nem aos inimigos do campo de batalha.
Não há qualquer dúvida relativamente ao recuo das tropas russas em muitos pontos da linha da frente na Ucrânia. As muitas aplicações que até aqui publicavam diariamente as imagens de supostos avanços russos, ataques a alvos ucranianos e a eliminação de inimigos, reduziram drasticamente essa “produção”. Mais recentemente têm publicado imagens de ataques ucranianos a Donestk. Do lado da Ucrânia, a página de Volodymyr Zelenskysi na rede Telegram, destaca diariamente – como sempre – a declaração do presidente e mostra Zelensky de visita a “áreas libertadas”, evidenciando que a Ucrânia está a recuperar território. A alteração do tipo de informação utilizado reflecte a situação no terreno.
A ameaça nuclear
Mas, o que parece mais importante, e deveras preocupante, na comunicação de Vladimir Putin, é a ameaça da utilização de todos os meios – entenda-se armas nucleares – para defender a o território da Rússia: “quando a integridade territorial do nosso país estiver ameaçada, nós utilizaremos certamente todos os meios à nossa disposição para proteger a Rússia e o nosso povo. Isto não é um bluff”.
Os Estados Unidos disseram que Putin utiliza uma “retórica irresponsável”, mas que deve ser levada a sério e Joe Biden, na Assembleia-geral da ONU, considerou que a carta das Nações Unidas está a ser atacada; a NATO considera que é uma “retórica nuclear perigosa”; a União Europeia diz que Putin põe em causa a paz mundial. Seja o que for, são as palavras de Vladimir Putin.
O aviso repetido
Ainda antes de a invasão ter começado, numa conferência de imprensa conjunta com Emmanuel Macron, em Moscovo, Putin lembrou que a NATO tem um poder militar superior ao da Rússia, mas acrescentou que a Rússia “é uma potência nuclear”. Dito isto, percebeu-se que os objetivos russos estavam bem definidos e o plano estava traçado: se as coisas corressem mal, a Rússia tinha um botão vermelho para ameaçar o Ocidente.
Portanto, a ameaça nuclear não é nova, mas tem agora uma subtileza: assenta na defesa da integridade territorial da Rússia. Uma subtileza ancorada nos referendos que foram também anunciados por Vladimir Putin (entre os dias 23 e 27 de Setembro) para os territórios que a Rússia ocupa no Donbass (nas regiões de Donetsk e Lugansk) e algumas regiões contíguas (Kherson e Zaporizhia) que permitem a ligação terrestre entre o Donbass e a Crimeia, ficando assim a controlar todo o Mar de Azov e parte da margem norte do Mar Negro. Sendo certo que muitos países já disseram que não vão reconhecer a validade dos referendos, não é isso que conta para Vladimir Putin. Se o resultado dos referendos for favorável à integração destas regiões na Federação Russa (e ninguém tem dúvidas que vai ser), e a partir do momento em que ela seja formalizada, se houver algum ataque ucraniano a estas (até agora) “zonas ucranianas ocupadas”, Putin pode dizer que são ataques a “território russo”. É essa a interpretação da Rússia e é aí que Putin encontra o argumento para a utilização de todos os meios que tem à disposição para defender a integralidade territorial da Rússia.
Realizar estes referendos quando grande parte da população fugiu ou está obviamente condicionada pela guerra, é uma falácia cujo resultado não tem qualquer valor, mas é uma forma de tentar travar a contraofensiva ucraniana. Podemos argumentar que é um estratagema cínico, mas é assim que funciona.
Ucrânia mantém estratégia
O momento escolhido pelo Presidente Russo parece indiciar também que a Rússia, perante as dificuldades militares no terreno, dar-se-á por satisfeita com os territórios que actualmente ocupa na Ucrânia, faltando saber, em concreto, qual é a verdadeira dimensão desse território, uma vez que, por exemplo, nem todo o Donbass está neste momento sob controlo russo. Mesmo que assim seja, o discurso de Kiev não dá nenhum sinal de aceitação de uma solução deste tipo. Zelensky tem dito que quer expulsar todas as tropas russas, recuperar todo o território ocupado, significando isto que quer continuar a contraofensiva que tem feito recuar o exército russo. O Presidente da Ucrânia está no seu legítimo direito. Volodymyr Zelesnky reafirmou (à Bild TV), já depois da declaração de Putin, que a ofensiva vai continuar e que não acredita que a Rússia vá utilizar armas nucleares. O problema é se Vladimir Putin não está a fazer bluff!