Medina, Figueiredo e… fica tudo na mesma

Imagem retirada da página do Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Poder Executivo do Rio Grande do Sul

A contratação – que acabou desfeita – de Sérgio Figueiredo por Fernando Medina, mereceu as mais diversas análises e comentários, e alimentou a escrita de quem prefere uma boa questiúncula a um debate que vá verdadeiramente à raiz das questões que nos interessam e deviam preocupar. Questões como Liberdade, Democracia e Jornalismo.

Dos valores envolvidos na contratação, passando pela alegada troca de favores, passando ainda por alegados favores a um filho de Sérgio Figueiredo e até, por aquilo que Figueiredo escreveu sobre José Sócrates. Tudo escalpelizado, tudo transformado em arma de arremesso, na senda da troca de acusações habitualmente – e principalmente – feitas pelos campos dos “partidos de poder”, consoante estão no governo ou na oposição.

Passada a espuma dos dias, talvez devêssemos levar o assunto para outro patamar. Confesso que as férias mantiveram-me um pouco afastado do consumo habitual de informação e, talvez por isso, alguma coisa me tenha escapado, mas de tudo o que tenho lido e ouvido – parece-me – não se falou do que verdadeiramente interessa: o “pecado original”. Aliás, com uma excepção: Joaquim Vieira, numa intervenção no Jornal 2 (RTP) colocou o dedo na ferida. Talvez mais alguém o tenha feito mas não dei por isso e a falha, nesse caso, é minha. Desde já peço desculpa.

Qual é então o “pecado original”? É tão simplesmente a “transumância” das redacções para assessorias ou consultadorias partidárias, governamentais, empresariais e afins, com bilhete de regresso às Redacções. Apenas isto e tão só isto! Porque se isto não fosse permitido, se não fosse legal – o caso Figueiredo/Medina não teria existido.

Tem razão Sérgio Figueiredo quando diz – num artigo no Jornal de Negócios – que não cometeu qualquer crime. Tem igualmente razão quando diz que foi alvo de um julgamento público e impiedoso. E volta a ter razão quando refere os analistas sem memória responsáveis por assassínio de caracter. Mas, Sérgio Figueiredo, ao admitir fazer aquilo de que final acabou por desistir, não tem qualquer razão. Porquê? Porque o problema não é Fernando Medina ter tentado levar Sérgio Figueiredo para colaborador próximo, nem é Sérgio Figueiredo ter querido ir; o problema é que Sérgio Figueiredo poderia ter ido e depois – quem sabe? – voltaria a uma Redacção, como já o fizera depois de passar pela Fundação da EDP. Esse é o problema, mas não é, de facto, um problema legal. E devia ser!!!

Não há nesta posição qualquer atravessamento de questões pessoais nem nenhuma vontade de limitar a liberdade seja de quem for. Um jornalista, como qualquer outro profissional, deve ser livre de “mudar de vida”. Mas também deve saber que há caminhos que só devem ter um sentido e não se pode voltar atrás. Quantos jornalistas não terão já sentido frustração profissional, desilusão, angústia… quantos não terão já, em algum momento, pensado em “mudar de vida”? Uns ultrapassaram esses momentos, outros resignaram-se e outros… mudaram de vida. Seja o que for que cada um tenha decidido isso não nos torna melhores nem piores, mas cada um deve assumir a decisão e deve saber que há caminho que não tem regresso.

No caso concreto de Sérgio Figueiredo nem sequer está em causa a capacidade de ser altamente competente a trabalhar numa Redacção e/ou a assessorar/aconselhar/fazer pontes num gabinete ministerial. Pode ser igualmente competente, sério, rigoroso e profissional nas duas funções. O problema é que elas não se podem misturar, mesmo que em momentos diferentes. Permitir a dúvida – suspeição – sobre as verdadeiras razões que levam um jornalista a assinar um artigo, uma reportagem ou uma notícia, é a porta que se abre quando esta barreira da “separação de poderes” é quebrada. É uma barreira essencial para haver transparência e confiança no jornalismo e nos jornalistas. E a Democracia ficará a ganhar. Talvez passe por aqui grande parte da crise que o jornalismo atravessa.

Se nada for feito, desta discussão agora tida na praça pública, para além dos jogos florais entre campos partidários, nada resultará que evite a repetição da situação, certamente com outros protagonistas e em diferente contexto.

Tal como nas magistraturas há quem defenda que devem acabar as portas giratórias entre os magistrados e a política, também no jornalismo essas portas deviam ser trancadas.

Porque será que ninguém assume o problema e propõe uma solução?

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