
No próximo dia 31 de Agosto terminam 20 anos de ocupação estrangeira no Afeganistão. Após negociações durante meses no Qatar, a retirada norte-americana vai ter lugar sem qualquer tipo de acordo que permita vislumbrar a paz no Afeganistão. Governo – que tem o apoio dos Estados Unidos – e Taliban não se entendem. Desde Maio que o avanço das forças Taliban em todo o Afeganistão não deixa grandes dúvidas. Todos os dias surgem notícias do recuo das forças governamentais e a capital, Cabul, começa a ficar cada vez mais sozinha. É sempre arriscado fazer previsões num cenário como o do Afeganistão, mas nas últimas semanas e meses o avanço das forças Taliban é evidente e muitos responsáveis políticos e analistas consideram que o actual poder político afegão não vai resistir mais do que meia-dúzia de meses. Ou nem tanto.
Kandahar, em 2001, foi a última grande cidade em que os Taliban (e a Al Qaeda) resistiram à ofensiva liderada pelos Estados Unidos. Só caiu depois de Cabul, a capital. O líder Taliban, Mullah Omar, nasceu na província de Kandahar e aí esteve durante o tempo (1996-2001) do poder Taliban, porque era de facto em Kandahar que estava o verdadeiro poder político (e religioso). Kandahar é uma cidade carregada de simbolismo e tem também grande importância estratégica. O aeroporto, bombardeado nas últimas horas, tem uma única pista, também para uso militar e é por essa via que chega o reabastecimento das forças governamentais. A queda de Kandahar nas mãos dos Taliban terá não só um grande valor militar estratégico mas poderá provocar uma quebra importante no moral das tropas governamentais.
Em Lashkar Gah, capital da província de Helmand, a oeste de Kandahar, a Agência France Press cita testemunhas locais que dão conta de combates rua a rua, e de constantes bombardeamentos governamentais que deixaram a cidade cheia de cadáveres. O poder aéreo é, aliás, a (única) arma eficaz com que o governo de Cabul conta para tentar travar a ofensiva Taliban. Todos os relatos que chegam do terreno dão conta de fraca resistência das forças militares governamentais perante a ofensiva Taliban.
Herat, terceira maior cidade do país, a noroeste de Helmand, também está cercada por forças Taliban. Após vários dias de combates, muitos habitantes fugiram. O Governo anunciou o envio de centenas de militares das forças especiais. Os Taliban já se apoderaram de alguns postos fronteiriços com o Irão e a Missão da ONU no Afeganistão pediu explicações aos taliban depois de ter sido alvo de um ataque.
As capitais de província ainda resistem, mas muitas cidades, vilas importantes e a grande maioria do território rural do país está já sob controlo Taliban.
O presidente afegão, Ashraf Ghani, acusou os Estados Unidos de serem os responsáveis pela degradação da situação militar devido à decisão “brusca” de retirada das tropas e prometeu um plano de seis meses para travar a ofensiva Taliban.
Através do Twitteer, Zabihullah Mujahid, porta-voz do Emirato Islâmico do Afeganistão respondeu que “declarações de guerra, acusações e mentiras não podem prolongar a vida do governo de Ghani”, acrescentando que “o seu tempo acabou, se Deus quiser”.
Aliás, as redes sociais estão a ser uma aposta forte do Movimento Taliban, com informação constante sobre os avanços no terreno, baixas do inimigo e alegadas deserções dos militares fiéis ao governo que se passam para o inimigo, como é o caso deste vídeo: https://twitter.com/i/status/1422194522084229122
A cartada psicológica é claramente um trunfo que os Taliban procuram jogar. Em Lashkar Gah, a capital de Helmand, um grande número de soldados afegãos ter-se-á juntado aos Mujahideen e Zabihullah Mujahid anuncia que outros soldados governamentais têm a possibilidade de desistir da luta e salvar a vida porque os Mujahideen irão recebê-los de braços abertos.
Os Estados Unidos, apesar da retirada militar, prometeram continuar a apoiar o governo afegão. O que ainda não se percebeu é como isso irá ser feito de modo a evitar que o poder mude de mãos. A queda de Cabul parece ser apenas uma questão de tempo.