Que importância tem a vida dos reféns para o governo de Netanyahu?

Cartazes com fotografias dos reféns naquela que passou a ser chamada de “Praça dos Reféns”, em Telavive, 3 de Maio de 2024. Foto: jmr

Começo a escrever este texto mais de 36 horas depois de o Hamas ter aceitado a proposta de cessar-fogo apresentada pelos mediadores (Egipto, Qatar e Estados Unidos). A actual proposta tem por base uma outra – com a qual Israel concordou anteriormente – do enviado norte-americano, Steve Witkoff, que previa um cessar-fogo de 60 dias, a libertação de reféns israelitas e prisioneiros palestinianos, o reposicionamento das forças militares israelitas e a entrada de ajuda humanitária, bem como negociações para acabar com a guerra. Não se conhecem os pormenores da actual proposta que mereceu a aceitação do Hamas, mas no final de Maio, um dos aspectos recusados pelo movimento palestiniano foi a ausência de garantias para que a guerra terminasse.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, que por essa altura – final de Maio – concordava com a proposta de Witkoff, passou a exigir uma libertação total e imediata dos reféns como condição para parar a guerra. O governo de Israel ainda não deu uma resposta à proposta que o Hamas já aceitou, mantém as operações militares com o objetivo de tomar a cidade de Gaza e os reservistas continuam a ser chamados para essa operação com que o governo israelita diz querer acabar com o Hamas.

Desde que o Hamas aceitou a proposta de cessar-fogo, Benjamin Netanyahu tem estado em silêncio, mas fontes governamentais citadas na imprensa israelita dão conta da intenção do executivo de manter a exigência de uma libertação total dos reféns: “a política de Israel é coerente e não mudou. Israel exige a libertação de todos os reféns conforme os objetivos fixados pelo governo” (…) “Estamos na fase decisiva contra o Hamas e não deixaremos nenhum refém para trás”.

Pressões

Há israelitas nos túneis de Gaza e famílias à espera de uma decisão do governo de Israel. Netanyahu está confrontado com a necessidade de salvar os reféns ainda vivos e com as manifestações de uma parte significativa dos israelitas. Enfrenta, em sentido contrário, a pressão dos ministros mais radicais que não querem qualquer acordo ou cessar-fogo e pretendem tomar Gaza definitivamente, sob pena de abandonarem o Governo de Netanyahu o que, eventualmente, pode fazer cair o primeiro-ministro.

Emmanuel Macron e Benjamin Netanyahu numa conferência de imprensa no Eliseu, Paris, 5 de Junho de 2018. Foto: Philippe Wojazer/AFP

No plano internacional, Netanyahu e os que o acompanham “disparam” em todas as direcções, fazendo diferentes acusações a todos os líderes internacionais que ousam tomar medidas contra Israel ou que se preparam para reconhecer o Estado da Palestina. As acusações mais recentes são contra a Austrália e contra o presidente francês. Numa carta enviada a Emmanuel Macron, Netanyahu acusa-o de “alimentar o fogo do antissemitismo” por ir reconhecer o Estado da Palestina. O mesmo Benjamin Netanyahu que acolheu Emmanuel Macron de braços abertos logo após o 7 de Outubro, quando Macron comparou o Hamas ao ISIS e até propôs a criação de uma coligação internacional para combater o Hamas, tal como tinha sido feito para combater o ISIS. Netanyahu já esqueceu que a França é o mesmo país, com o mesmo presidente, em que a presidente da Assembleia Nacional dirigia sessões com a bandeira de Israel na lapela enquanto proibia que os deputados exibissem bandeiras palestinianas. O Eliseu reagiu às palavras de Netanyahu, dizendo que o momento não é para fazer “amálgamas ou manipulações” e promete resposta mais contundente.

Quanto à Austrália, o governo australiano recusou um visto a Simcha Rothman, deputado de extrema-direita do Partido Sionista Religioso (o partido de Bezalel Smotrich, ministro das finanças), com o argumento de que pretendia “divulgar uma mensagem de ódio e divisão” junto da comunidade judaica australiana. Netanyahu, na rede X, acusou o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, de “trair Israel” e deixou um sublinhado: “a história recordará Albanese pelo que ele é: um político fraco que traiu Israel e abandonou os judeus da Austrália”. Ainda como retaliação, Israel revogou os vistos dos diplomatas australianos junto da Autoridade Palestiniana.

A semântica

Netanyahu, como sempre, escuda-se numa miscelânea de argumentos que vai ajustando à medida da sua utilidade quanto ao objetivo que há muito se desenha: controlar a totalidade da Faixa de Gaza e expulsar os palestinianos do território. Depois, muito provavelmente, seguir-se-á a Cisjordânia. Netanyahu já assume, sem pudor, a defesa do “Grande Israel”, que inclui toda a Palestina e parte de países vizinhos.

O que falta conhecer, e Netanyahu sabe que é um assunto delicado que pode hipotecar o seu futuro político – para além dos processos que enfrenta na justiça – é a sorte dos reféns em função da decisão que Netanyahu tomar sobre a guerra na Faixa de Gaza e o acordo de cessar-fogo que o Hamas já aceitou. A opinião pública israelita sabe que, se a guerra terminar agora, os reféns serão salvos. Mas não se sabe o que lhes poderá acontecer se Netanyahu insistir numa guerra sobre a qual uma parte substancial dos israelitas não consegue descortinar objetivos úteis. Desta vez, Netanyahu não pode dizer que a bola está no campo do Hamas.

Caminhos estreitos

Benjamin Netanyahu e o ex-ministro da defesa de Israel, Yoav Gallant, são alvo de mandados de captura do Tribunal Penal Internacional. São, portanto, dois foragidos à Justiça Internacional. Apesar das muitas pressões, o mesmo Tribunal prepara mandados de captura para dois ministros israelitas: Bezalel Smotrich e Itamar Ben-Gvir. São cada vez mais estreitos os caminhos que Netanyahu e os seus mais fiéis seguidores podem fazer. Os apoios internacionais – não contando com Trump – estão a esboroar-se qual castelo de cartas. Setembro, mês da Assembleia-geral da ONU aproxima-se e há vários países (França, Canadá, Austrália, Andorra, Finlândia, Islândia, Luxemburgo, Malta, Portugal, San Marino e Eslovénia) que se preparam para reconhecer o Estado da Palestina. Eventualmente o Reino Unido também o poderá fazer. Espanha, Irlanda, Noruega e Eslovénia já fizeram esse reconhecimento no ano passado. Se o reconhecimento do Estado da Palestina avançar, a relação de Israel com todos estes países terá, forçosamente, de sofrer consequências.

Com o terreno a fugir-lhe, Netanyahu está a ficar nervoso, apesar do ar sempre sorridente com que se apresenta em público. No entanto, tudo o seja dito e que não esteja alinhado com o que Netanyahu pretende é imediatamente catalogado como uma cedência ou um prémio ao Hamas e aos “terroristas”, tudo é antissemita, é tudo uma cambada de mentirosos – ONU, governos de dezenas de países, organizações não-governamentais, Tribunais – só o governo de Israel está no caminho certo.

Não tarda e somos todos nazis e antissemitas, apenas porque defendemos os Direitos Humanos e queremos parar a carnificina na Faixa de Gaza.

Pinhal Novo, 20 de Agosto de 2025

02h00

jmr

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