
No dia 19 de Setembro, no momento em que os libaneses ouviam a reacção do líder do Hezbollah ao ataque israelita que visou os pagers e os walkie talkie, os caças israelitas sobrevoaram Beirute a baixa altitude, cruzando a barreira do som, simulando assim um ataque à capital libanesa. Violando o espaço aéreo libanês (como tem acontecido frequentemente), Israel quis mostrar que o líder do movimento xiita libanês, Hassan Nasrallah, estava no ponto de mira. Depois disso, nos últimos dias, os ataques aéreos israelitas têm varrido o sul do Líbano, o sul de Beirute e em particular o bairro de Dahieh, bastião do Hezbollah. A região leste do Líbano, Baalbek e o vale de Beqaa, também têm sido duramente atingidos. Desde segunda-feira, 23 de Setembro, o Ministério da Saúde libanês dá conta de mais de 700 mortos, sendo que a maioria são civis; desde 7 de Outubro de 2023, os ataques israelitas já mataram mais libaneses do que durante os 33 dias de guerra em 2006.
Esta sexta-feira, o alvo de um primeiro ataque terá sido o líder do Hezbollah. Quase à mesma hora em que Benjamin Netanyahu discursava na Assembleia Geral da ONU – recusando qualquer possibilidade de parar os ataques a Gaza e ao Líbano – os aviões israelitas voltaram a bombardear Beirute e o local onde alegadamente funcionava o Quartel-General do Hezbollah, no bairro de Dahieh, uma das zonas mais densamente habitadas da capital libanesa. Seis edifícios de habitação foram pulverizados. O número de vítimas ainda está por apurar.
A prova de que o actual governo de Israel sente que pode fazer o que quer e onde quer é a ordem para este ataque ter sido dada pelo primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, a partir de Nova Iorque (o próprio gabinete de Netanyahu difundiu a fotografia desse momento), precisamente para mostrar ao mundo que o apoio norte-americano às acções de Israel é intocável, por muito que a retórica pretenda mostrar o contrário. Os Estados Unidos permitiram que um líder estrangeiro, a partir de território norte-americano, autorizasse um ataque contra um Estado soberano e ainda concederam uma nova “ajuda militar” ao “esforço de guerra israelita” no valor de 8,7 mil milhões de dólares
Argumentos
A estratégia de comunicação israelita no Líbano é semelhante à que tem sido utilizada nos ataques que já mataram mais de 41000 pessoas na Faixa de Gaza: Israel diz combater terroristas e acusa-os de utilizarem a população como escudo. O governo de Israel diz que o alvo são locais de produção e armazenamento de armas e os centros de comando do Hezbollah. Uma estratégia com que o governo de Israel pretende isentar-se de responsabilidade na morte de civis, tal como fez na Faixa de Gaza onde qualquer escola ou hospital é considerado um alvo legítimo.
O próximo passo parece já estar a ser preparado e é o aeroporto de Beirute. São poucas as companhias aéreas que ainda voam de e para Beirute, e o porta-voz das Forças de Defesa de Israel, Daniel Hagari, foi à televisão dizer que Israel não permitirá a chegada ao aeroporto de Beirute de voos inimigos com armamento, acrescentando que Israel “está ao corrente do carregamento de armas iranianas destinadas ao Hezbollah e irá frustrar esses planos. Neste momento, aviões de combate patrulham o céu nos arredores de Beirute”.
1982 e 2006
Em 2006, o aeroporto de Beirute foi o primeiro alvo que Israel atingiu logo no início da guerra e antes de iniciar a invasão terrestre. Por agora já existem declarações de altos responsáveis israelitas que indicam a forte possibilidade de uma invasão terrestre. Se o aeroporto de Beirute for bombardeado poderemos estar na iminência de voltarmos a ver os tanques israelitas em território libanês. Falta saber até onde querem chegar e durante quanto tempo pretendem ficar. O objetivo declarado é o de acabar com os ataques do Hezbollah contra o norte de Israel e permitir que cerca de 60 000 israelitas possam regressar a casa em segurança. Em 1982, o objetivo então declarado era semelhante: acabar com os ataques que a OLP (Organização de Libertação da Palestina) desferia a partir do sul do Líbano. Nessa “primeira guerra do Líbano”, o exército israelita – Ariel Sharon, era o Ministro da Defesa – só parou quando chegou a Beirute e só em 2000 os últimos soldados israelitas cruzaram a fronteira de regresso a casa.
O verdadeiro ponto
António Guterres já alertou: o Líbano está a chegar ao inferno e não pode ser uma nova Gaza.
Mas o que também é importante reter é que o grande objetivo de Israel não é o Líbano: é a Cisjordânia. É uma questão de (mais) território e de tentar acabar de vez com o sonho palestiniano. A resposta chegou por Mahmood Abbas, presidente da Autoridade Palestiniana, na Assembleia Geral da ONU. Depois de repetir três vezes (“we ill not leave”) que os palestinianos não sairão da Palestina, Abbas acrescentou: “A Palestina é a nossa pátria. É a terra dos nossos pais, dos nossos avós. Continuará a ser nossa e, se alguém partir, serão os usurpadores ocupantes”. Este é o ponto.
