Guerra à deriva

O carro em que viajavam filhos e netos do líder do Hamas atingidos por um ataque israelita na Faixa de Gaza. Foto publicada no Times of Israel (AFP)

No primeiro dia do Eid al-Fitr (a festa de três dias que marca o final do mês do Ramadão) Israel matou três filhos e quatro netos de Ismail Haniyeh, o líder político do Hamas, num ataque ao carro em que viajavam no campo de refugiados (Shati) no norte da Faixa de Gaza. Haniyeh, no Qatar, respondeu que “eles” estão enganados se pensam que atacar a família, enquanto decorrem conversações, altera a posição do Hamas, e acrescentou: “o sangue dos meus filhos não é mais valioso do que o sangue dos filhos do povo palestiniano… Todos os mártires da Palestina são meus filhos.”

Já sabemos que as leis da guerra morrem no preciso momento em que é disparado o primeiro tiro e que por vezes nunca conhecemos as razões profundas das decisões militares e políticas, mas num momento em que decorrem negociações e em que cresce a pressão da comunidade internacional para parar o massacre, o ataque à família do líder do Hamas não pode deixar de ser visto como uma tentativa de dificultar essas negociações. Não sabemos se foi uma decisão exclusivamente militar no quadro das muitas decisões que se tomam em contexto de guerra como é o da Faixa de Gaza (mas com um objetivo político) ou se foi uma decisão política que os militares executaram. Isto é, seria bom saber se foi uma decisão do governo de Israel dentro do plano de Netanyahu ou se foi uma decisão militar que pretendeu perturbar a condução da guerra e das negociações, não deixando margem de recuo a Netanyahu. Seja qual for a resposta, é estranho que quem o fez não conheça o inimigo. Se conhecesse, devia saber que não é este tipo de acontecimentos que altera a conduta e as decisões de movimentos como o Hamas. Aliás, se houver alteração é para uma posição ainda mais dura à mesa das negociações. A resposta de Ismail Haniyeh é elucidativa.

Um comunicado das Forças de Defesa de Israel (FDI) justifica o ataque dizendo que os filhos de Haniyeh eram operacionais do Hamas, mas não refere as crianças que também morreram. O jornal “Times of Israel” cita as FDI: estavam “a caminho de praticar actividade terrorista na área central de Gaza”. Ainda não há muito tempo, com o objetivo de conquistar a opinião pública e dividir palestinianos, responsáveis israelitas diziam que os dirigentes do Hamas faziam a guerra mas estavam confortavelmente, com as famílias, nos hotéis do Qatar. O que aconteceu em Gaza com a família do líder do Hamas torna esta narrativa insustentável e a cada dia que passa torna-se evidente que muita da informação posta a circular pelo governo de Israel não corresponde à verdade.

33 482 mortos em Gaza

Passaram seis meses de guerra. Nas últimas 24 horas o Ministério da Saúde de Gaza diz que morreram 122 pessoas. Todos os dias temos notícia de negociações para se chegar a um cessar-fogo. O primeiro-ministro israelita diz que já tem uma data para iniciar a ofensiva em Rafah e garante que ela vai mesmo acontecer. Toda a comunidade internacional diz que a ofensiva pode provocar uma catástrofe terrivelmente maior do que aquela que já existe. Joe Biden foi directo ao ponto: “Penso que o que ele (Netanyahu) está a fazer é um erro”. Biden diz que não vê motivos para que não haja um cessar-fogo imediato que permita fazer chegar ajuda à população de Gaza. Os extremistas do governo israelita dizem a Benjamin Netanyahu que se não houver ofensiva, acaba-se o governo. É assim que estamos.

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