Vale tudo! E o mundo fica mais perigoso

As imagens mais duras do dia eram as do Hospital Al Shifa, em Gaza, completamente destruído pelas forças israelitas e onde os palestinianos recolhiam cadáveres entre os destroços, olhando incrédulos para o que restava do maior centro hospitalar de Gaza, mais antigo do que o próprio estado de Israel.

E a meio do dia uma outra notícia: o consulado do Irão em Damasco ficou desfeito. O embaixador iraniano em Damasco, Hussein Akbari, disse que o edifício, ao lado da Embaixada, foi atingido por seis mísseis disparados por caças F-35. O Ministério da Defesa da Síria, acusou o “inimigo israelita de lançar os ataques aéreos partir dos Golã sírios ocupados”. Questionado durante uma conferência de imprensa pouco depois do ataque, o porta-voz das Forças de Defesa de Israel, Daniel Hagari, respondeu que não comentava informações da imprensa estrangeira.

11 mortos

Não havendo confirmação da autoria do ataque por parte de Israel, a maioria dos analistas inclina-se para atribuir essa responsabilidade ao governo de Benjamin Netanyahu. Afinal, nada de muito diferente daquilo a que temos assistido regularmente na Síria e no Líbano, só que desta vez o alvo foi uma representação diplomática. Ou seja, a confirmar-se a autoria do ataque, Israel atropela mais uma Convenção Internacional (Viena, Abril de 1963). É um ataque inédito a um edifício diplomático na Síria.

As últimas informações davam conta de 11 mortos. Entre eles, o comandante da Força Al-Qods para o Líbano e Sìria, General Mohammad Reza Zahedi, 63 anos, membro dos Guardas da Revolução há mais de 40 anos, e o seu adjunto, Mohammad Hadi Haji Rahimi. Na lista de vítimas estão outros cinco membros dos Guardas da Revolução, dois “conselheiros” iranianos e alguns diplomatas. O Observatório Sírio dos Direitos Humanos refere a morte de “oito iranianos, dois sírios e um libanês, todos combatentes”. O Embaixador iraniano não foi atingido.

Porquê este ataque?

Das imagens que chegaram do ataque, pouco antes das cinco da tarde em Lisboa, para além das ruínas fumegantes do edifício atingido, era visível, no edifício contíguo, uma grande fotografia do Comandante da Força Al Qods, Qassem Souleimani, assassinado em Janeiro de 2020 nos arredores de Bagdad, alegadamente por um ataque norte-americano.

Depois de ter sido um aliado útil dos Estados Unidos na luta contra o Daesh, o Irão regressou à “condição” de membro do “Eixo do Mal”. Tem sofrido ataques no seu próprio território, na Síria e no Líbano. Muitos desses ataques ficam por reivindicar, embora o dedo acusador de Teerão seja sempre dirigido para o “grande satã” ou para o “inimigo sionista”. Israel assume que tem atacado regularmente alvos iranianos na Síria e também alvos do Hezbollah libanês (aliado do Irão). Dezenas de ataques israelitas, que se intensificaram desde 7 de Outubro, mataram mais de uma centena de combatentes, havendo entre eles figuras destacadas dos Guardas da Revolução e do Hezbollah. O “eixo” xiita (do qual o presidente sírio, Bashar Al Assad, faz parte) apoia o Hamas e Israel acredita que o Irão esteve na origem do ataque do Hamas a 7 de Outubro. Ou Israel acredita mesmo ou essa acusação serve na perfeição à estratégia de Benjamin Netanyahu. Desta vez, a mensagem parece ser clara: sabemos o que fizeram, sabemos onde andam e onde estão e vamos caçá-los quando quisermos.

Escalada

O Ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Hussein Amir Abdollahian disse que o primeiro-ministro israelita “perdeu completamente o equilíbrio mental devido aos fracassos sucessivos em Gaza e à incapacidade de atingir os ambiciosos objetivos dos sionistas”. O Irão exige uma “resposta séria” da comunidade internacional face ao que considera ser uma violação grave do Direito Internacional e reserva-se o direito de decidir “o tipo de reacção e de punição ao agressor”.

É certo que vivemos num outro tempo – e não há antecedentes de um golpe de Estado patrocinado por uma agência secreta estrangeira – mas as mesmas regras que foram referidas aquando do assalto à Embaixada dos Estados Unidos em Teerão (1979) são exactamente as mesmas que servem para olhar para este ataque em Damasco: não se pode tocar numa representação diplomática.

Mesmo entre dois países em guerra, uma representação diplomática merece protecção específica regulada por uma Convenção Internacional assente na Carta das Nações Unidas. Este ataque em Damasco coloca a chamada “comunidade internacional” perante (mais) um enorme dilema. Atacar uma representação diplomática, como diz a diplomacia iraniana, é “uma violação de todas as obrigações e convenções internacionais”. Quando no Irão a Embaixada norte-americana foi assaltada, o país sofreu sanções. Na eventualidade de não haver uma condenação forte deste ataque em Damasco com a consequente sanção dos responsáveis, passa a valer tudo. E um mundo assim, onde vale tudo, é um mundo muito pior.

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