Reféns e prisioneiros

Marwan Barghouthi (Fatah) e Ahmad Saadat (FPLP), líderes palestinianos presos. Quando e se as exigências do Hamas incluirem a libertação destes homens, então se vai ver como terrmina o que começou a 7 de Outubro.

Desde 7 de Outubro, este foi o primeiro dia em que a população da Faixa de Gaza conseguiu sair à rua sem ter de olhar o céu com medo de que a morte lhe caísse em cima. Para quem viveu 48 dias consecutivos de bombardeamentos não é coisa pouca, mas tirando isso falta tudo. Faltam também cerca de 15 mil palestinianos de Gaza que já morreram nesta guerra.

Este 49º dia de guerra foi também o dia em que começou a troca de prisioneiros. 63 pessoas regressaram a casa e às famílias. São vidas poupadas à loucura da guerra. O dia valeu por isso e dias assim valem a pena.

Sendo esta a parte mais importante, convém reter outros aspectos. Desde logo a terminologia utilizada: reféns de um lado, prisioneiros do outro. Porquê? Neste momento são esses os conceitos que a maioria das pessoas interiorizou e que nem sequer questiona, mas talvez o devamos fazer. O conceito de refém é mais forte do que o de prisioneiro e gera, eventualmente, uma maior compaixão, mas para uma maioria de palestinianos não há qualquer diferença e a razão é simples: se este reféns israelitas foram levados dos Kibutz para os túneis da Faixa de Gaza, os palestinianos são frequentemente levados das cidades, aldeias e campos de refugiados da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental para as prisões israelitas. Podemos discordar, mas no terreno é assim que a questão é vista e sentida.

A única forma que os palestinianos têm de obter a libertação desses prisioneiros é através da troca com israelitas capturados por organizações palestinianas. Desde há 40 anos que é assim quando em 1983 quase cinco mil prisioneiros palestinianos foram trocados por oito militares israelitas capturados uns meses antes. Depois disso houve várias situações muito semelhantes, sendo a última em 2011 quando o militar Gilad Shalit foi libertado em troca de mais de mil prisioneiros palestinianos. Mais uma vez, podemos discordar, mas tem sido assim.

Mas se a situação de um refém depende do que é exigido em troca da sua libertação e de eventuais negociações, pior será a situação de um prisioneiro cuja situação não pode ser negociada, não conhece a acusação, não sabe se e quando será julgado e a que tipo de defesa terá direito, já para não falar da imparcialidade e independência do tribunal que em muitos casos é um tribunal militar. Em bom português: venha o diabo e escolha.

Hamas marca a agenda

O Hamas e outros grupos palestinianos tinham, até agora, 236 reféns. Não se sabe em rigor quantos são e se alguns terão morrido durante os bombardeamentos. O Hamas chegou a anunciar 50 mortos mas nada foi confirmado.

Neste momento devem estar mais de sete mil palestinianos nas prisões israelitas. Cerca de um terço estão condenados a penas de prisão (muitos condenados a prisão perpétua), cerca de 2.300 têm o processo a decorrer e cerca de três mil estão presos em detenção administrativa, o que significa que a detenção pode ser renovada a cada seis meses e nunca se sabe até quando. Os números variam consoante as fontes. Desde 7 de Outubro, seis palestinianos morreram nas prisões de Israel e durante as incursões na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental o exército israelita prendeu cerca de duas mil pessoas. A 8 de novembro a Amnistia Internacional publicou um comunicado em que acusa Israel de tortura e maus-tratos a prisioneiros.

Convém ainda perceber que enquanto os israelitas libertados pelo Hamas (a 24 de Novembro) ficarão em segurança, os prisioneiros palestinianos que agora saíram da risão podem voltar a ser presos a qualquer momento. Basta que Israel queira e não seria a primeira vez.

Recorde-se que o Hamas já em Outubro tinha libertado 4 reféns sem exigir nada em troca. Depois de libertar as duas primeiras mulheres, prometeu libertar mais duas e o gabinete do Primeiro-ministro Benjamin Netanyahu reagiu dizendo que era propaganda do Hamas. Enganou-se. As mulheres foram mesmo libertadas e o Hamas nada recebeu em troca.

Agora, para além de ambas as partes cumprirem o que estava estabelecido (treze reféns israelitas por trinta e nove prisioneiros palestinianos), o Hamas surpreendeu e foi mais além, libertando dez reféns tailandeses e um filipino sem nada exigir em troca (que se saiba).

Barghouthi e Saadat

Politicamente, o Hamas continua a marcar a agenda, puxando suavemente o tapete ao governo de Benjamin Netanyahu pressionado internamente entre quem quer os reféns de volta mesmo que isso signifique o fim da guerra e quem quer a guerra independentemente da sorte dos reféns. Se não se ignorar estes “pormenores”, ninguém pode dizer que o Hamas não tem vontade de chegar a uma solução negociada. Evidentemente que tem exigências ou não teria desencadeado o ataque de 7 de Outubro. E é aí que tudo vai ficar mais difícil, quando restarem os reféns militares e quando o Hamas exigir o que anunciou desde o início: a libertação de todos os presos palestinianos. Com a sociedade israelita a perceber que é possível ter os reféns de volta, será muito difícil a qualquer governo (com ou sem Netanyahu) recusar a negociação mesmo pagando esse preço de libertar todos os palestinianos presos, nomeadamente alguns como Marwan Barghouti, da Fatah, líder da segunda intifada e Ahmad Saadat, secretário-geral da Frente Popular de Libertação da Palestina.

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