Gaza: há-de haver um dia seguinte

Ainda não sabemos como vai terminar esta guerra, mas sabemos há muito o que alguns dizem agora com especial ênfase como se algo de novo estivessem a anunciar: o conflito israelo-palestiniano não se resolve através da guerra, terá de haver uma solução política.

E a forma como esta guerra acabar vai ser determinante. Por muito que o governo israelita diga que quer destruir o Hamas e impedi-lo de voltar a governar Gaza, os próprios líderes israelitas sabem que isso não é possível. Lembramo-nos todos da “guerra ao terrorismo” que foi declarada por George W. Bush. Um outro presidente norte-americano disse mais tarde que o que é preciso é acabar com as causas que dão origem a métodos terroristas.

As causas que estão na origem da guerra na Faixa de Gaza (e na Cisjordânia, e ainda, por arrastamento, na fronteira de Israel com o Líbano) são a ausência de esperança para um povo a quem prometeram um Estado. Esse Estado prometido é cada vez mais uma miragem, seja pela redução do território à custa de anexações e colonatos israelitas, seja pela opressão, humilhação, negação de direitos e dignidade aos palestinianos. Os sucessivos governos de Israel têm seguido políticas que reduzem a possibilidade de criação de um Estado palestiniano ao mesmo tempo que apontam para a construção do “grande Israel” totalmente dono e senhor dos territórios palestinianos que são reconhecidos pelo Direito Internacional, incluindo Jerusalém Oriental.

A não ser que Israel varra os palestinianos da Faixa de Gaza e peneire todo aquele território, a uma profundidade considerável, o Hamas vai continuar a existir. Para os menos atentos talvez convenha olhar com atenção para a Cisjordânia onde a popularidade do Hamas cresceu de forma exponencial. Basta ver as bandeiras nas manifestações e nas mãos dos prisioneiros libertados. Falar com as pessoas na rua é também um teste interessante. Felizes os que o podem fazer e compreender. Se a vitória do Hamas nas eleições de 2006 foi uma surpresa (por deficiente análise da realidade) ela seria agora absolutamente certa e, eventualmente, por números surpreendentes. Isto não significa que haja um apoio da maioria dos palestinianos a tudo o que o Hamas representa e defende, mas significa que as pessoas veem no Hamas a única organização que resiste à opressão israelita e defende os interesses dos palestinianos. É uma ilusão formular a questão dizendo que “o Hamas é uma coisa e a população palestiniana uma coisa diferente”. E é outra ilusão pensar que a Autoridade Palestiniana, por muito apoio internacional que possa receber, tem o apoio da maioria dos palestinianos. São ideias que vão sendo construídas na retórica diplomática e que a realidade se encarrega de desmontar.

Israel à direita

A direitização da política israelita – a Esquerda quase desapareceu do espectro político – com a ilusão de que a segurança dos israelitas seria conseguida através de uma mão-de-ferro em relação aos palestinianos, revelou-se completamente errada e o despertar para esta realidade não poderia ter sido pior.

Pelo menos nos últimos 20 anos, os políticos israelitas nunca pensaram no “dia seguinte”. Nunca pensaram no momento em que a pressão exercida sobre os palestinianos provocasse uma explosão. Ou então pensaram que os palestinianos iriam ceder e submeter-se aos ditames de Israel. Perante o silêncio e a inacção da chamada “comunidade internacional” alguns políticos israelitas sentiram que tinham o caminho livre. Nunca pensaram que a “normalidade” de violência, humilhação e expansão do território, sofresse uma resposta. Nunca pensaram que podia “saltar a tampa da panela de pressão” e conduziram Israel para a situação em que se encontra agora: sofreu um ataque de uma violência inédita e vive mais uma guerra. Muitos alertas têm sido enviados aos israelitas por parte de diferentes líderes internacionais, lembrando que não haverá segurança para Israel enquanto não for criado um Estado palestiniano que garanta igualmente a segurança dos palestinianos.

Day after

É perante estes dados que o dia seguinte deve ser equacionado: o que fazer para que israelitas e palestinianos vivam em segurança, com direitos garantidos, com esperança no futuro, com dignidade, com dois Estados vizinhos que não se agridam?

É necessário que os dois lados façam cedências, sendo que do lado palestiniano a única coisa que há para oferecer é a paz; do lado israelita há muito mais para oferecer mas não se afigura fácil quando as forças políticas mais votadas são aquelas que menos apostam no diálogo e numa solução política do conflito.

Após décadas de agressões e mortes, o ódio, o desejo de vingança e o ressentimento, marcam gerações. São marcas com raízes profundas que precisam de secar para não mais voltarem a crescer. Não será fácil num futuro próximo ver israelitas e palestinianos a relacionarem-se com confiança mútua, mas por muito que Israel e o Hamas se acusem de diferentes tipos de crimes – e os dois lados cometeram crimes – a paz faz-se entre inimigos. Sempre assim foi.

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