Turquia a votos, entre o autoritarismo e a renovação democrática

Recep Tayyip Erdogan e Kemal Kiliçdaroglu. Foto: Greek City Times

As eleições (presidenciais e legislativas) de domingo na Turquia podem ser um momento de viragem. Erdogan pode perder e ser afastado do poder; ou pode ser uma viragem ainda mais autoritária no caso de Erdogan ver reconhecido o que tem feito até agora. A desafiar o actual Presidente, Recep Tayyip Erdogan (69 anos), apoiado por uma Aliança Popular em que o AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento) é a força motriz, está, Kemal Kiliçdaroglu (74 anos), líder do Partido Republicano. Foi ele o escolhido por uma coligação de seis partidos (Aliança da Nação) para tentar destronar Erdogan.

Os curdos

O voto dos curdos pode ser decisivo. O HDP – Partido Democrático do Povo, apoia Kiliçdaroglu; o Huda – Partido da Causa Livre (islâmico), apoia Erdogan, mas tem uma influência muito menor do que o HDP, a terceira força política no parlamento. Os curdos são 15 a 20% da população da Turquia e, de uma forma geral, são constantemente acusados de terrorismo por alegadas ligações ao PKK.

Foto Adem Altan da AFP e Getty Images in Al Monitor 11FEV2018

A campanha eleitoral atingiu momentos de extrema ironia com o actual Presidente a dizer que “quem interferir nos direitos dos meus irmãos e irmãs curdos, terá que nos enfrentar; eles terão que derrotar Recep Tayyip Erdoğan e a nossa Aliança do Povo”. É o mesmo Erdogan que tem afastado todos os que o contestam e cujo regime, ainda no dia 25 de Abril, prendeu mais de uma centena de curdos, incluindo actores, advogados, jornalistas e activistas dos Direitos Humanos, acusados de ligações ao PKK. A acusação, aliás, é sempre a mesma.

Recep Tayyip Erdogan em campanha eleitoral. Foto: Modern Diplomay

O poder de Erdogan faz-se sentir numa campanha eleitoral na qual tudo é feito para prejudicar o adversário, como por exemplo a interrupção dos transportes públicos em dias de comício, o apedrejamento de apoiantes de Kiliçdaroglu (como foi o caso da comitiva do presidente da Câmara de Istambul) ou ainda o recurso a notícias fabricadas que colam Kiliçdaroglu ao PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão, organização que a Turquia considera terrorista), para além de beneficiar de uma cobertura privilegiada da televisão pública.

Promessas

Para além de tudo isto, Erdogan tem colocado “dinheiro na ventoinha” Um exemplo: na mesma semana prometeu dois aumentos de salários aos funcionários públicos. Mas há um outro problema que é o preço dos produtos mais elementares na dieta turca: batatas e cebolas. Erdogan responde com uma pergunta aos eleitores: vão trocar de Presidente por causa do preço das cebolas??? E coloca o rótulo de bêbado ao adversário: “Podes beber a cerveja que quiseres, o meu país não se deixará levar por um bêbado”. Com uma economia a desfazer-se e uma inflacção galopante, é aí que estão focadas as atenções dos eleitores.

Visto de fora

Na política internacional nem tudo corre mal a Erdogan, apesar do inimigo sírio ter sido readmitido na Liga Árabe. O papel de mediador entre a Ucrânia e a Rússia (no transporte de cereais ucranianos) e a permanente chantagem com a presença de quase 5 milhões de refugiados, são argumentos que têm dado a Erdogan algum protagonismo, mas que de pouco valerá quando os turcos revolvem o porta-moedas para abastecer a cozinha.

A política internacional não dominou a campanha eleitoral, mas o futuro da Turquia é importante para o mundo. Está em causa o posicionamento de um dos mais importantes países da NATO (a Turquia de Erdogan comprou armamento sofisticado à Rússia…), a relação com a Rússia e a União Europeia, a atitude face a diversas crises no Médio Oriente e norte de África. Talvez mude pouco seja qual for o resultado das eleições, mas o que os centros de decisão esperam de Ancara é mais previsibilidade e maior confiança. O que não é pouco.

Vista de fora, a actual Turquia não inspira confiança. A ONG norte-americana Freedom House considera que é um país “não livre”; em matéria de liberdade de imprensa, a Repórteres sem Fronteiras coloca a Turquia em 149º lugar entre 180 países; a Transparência Internacional coloca a Turquia em 109º lugar, ou seja um dos países mais atingidos pela corrupção.

Alternativa

Os comícios têm sido gigantes e em crescendo, mas se há algo já bem perceptível é que a Turquia está profundamente dividida quanto a saber quem deve ficar com as chaves da Sublime Porta.

Kemal Kiliçdaroglu em campanha eleitoral. Foto: Middle East Institute

Kemal Kiliçdaroglu é o nome da esperança para quem quer mudar de paradigma. Promete restaurar uma verdadeira separação de poderes e reduzir a inflacção, diz que a economia e a democracia têm de voltar aos carris, e já disse que irá libertar alguns políticos curdos, injustamente presos (com a tal acusação de ligações ao PKK), como é o caso de Selahattin Demirtas, um dos líderes do Partido Democrático do Povo (HPD). Outro aspecto que pode mudar se Kiliçdaroglu vencer as eleições é a questão europeia com um retomar da velha aspiração que Erdogan acabou por abandonar.

Novos eleitores

Mais de três milhões de turcos no estrangeiro registados nos cadernos eleitorais já votaram, sendo que este é um campo habitualmente favorável a Erdogan. Há mais de 5 milhões de eleitores jovens que voltam pela primeira vez, uma população que pretende um regime mais aberto e que enfrenta também uma economia em queda livre com fracas perspectivas de futuro. Um aspecto que pode complicar, e muito os objetivos de Erdogan.

Sismo

E há ainda os efeitos do sismo de Fevereiro. Morreram mais de 50 mil pessoas, algumas zonas ficaram completamente arrasadas e Erdogan foi duramente criticado pela demora do Estado no socorro às zonas atingidas. Erdogan respondeu dizendo quase o mesmo que já tinha dito 20 anos antes, quando tinha acabado de chegar a Primeiro-ministro e foi confrontado com um sismo em Bingol: os construtores iriam ser investigados. Suspeitava-se então de más opções na escolha dos terrenos de construção e de más escolhas na quantidade e qualidade dos materiais. Em 2023, o discurso repetiu-se, depois de Erdogan ter permitido a legalização de construções que, ao longo dos anos, não tinham respeitado as regras estabelecidas. Algo que ainda não se percebeu bem é a possibilidade de voto das pessoas que ficaram sem casa e que foram realojadas noutros locais que não aquele onde estavam registadas. Mais questões que podem complicar os objetivos de Erdogan.

Sondagens

As sondagens são inconclusivas admitindo a vitória de qualquer dos principais candidatos e até pode acontecer que tenha de haver segunda volta (a 28 de Maio). A Foreign Policy lembra que nunca um Presidente turco perdeu eleições. Erdogan está no poder há mais de 20 anos: 2003-2014 foi Primeiro-ministro; depois Presidente da República. A expectativa reside ainda na transparência do escrutínio – há observadores internacionais no terreno – e também na reacção de Erdogan em caso de derrota. Sai ou insiste em ficar?

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