
Talvez muitos não tenham dado por isso, mas as ostras, mais propriamente comer ostras em Paris, foi assunto polémico no Facebook. O “pecado” maior foi associar às ostras uma manifestação contra a alteração da idade da reforma e discussões de rua sobre o estado do mundo. Ou seja, comer ostras e gostar de ver um país em polvorosa com gente na rua a fazer exigências. Sacrilégio!!! Pode lá ser…!
As vozes críticas rapidamente apedrejaram a autora do post (que não nomeio porque não precisa de quem a defenda, nem é esse o objetivo). Para quem não gostou de ver o prazer de comer ostras associado ao resto, é impossível ser de esquerda e sair à rua em manifestação depois de saciar o palato com esse sabor a mar. Esta pequena polémica vale o que vale e amanhã já ninguém se lembra dela, mas não deixa de ser reveladora.
Os trolls, sempre de sentinela a qualquer sinal de esquerda, esfregaram as mãos. A direita bolorenta, igualmente. Os cínicos, ainda mais. Tinham em quem bater!!! Ficámos a saber que, quem é de esquerda, precisa de uma carta de alforria para comer ostras e afins. Alguns consideram – assim parece – que só eles têm esse Direito Natural. Presumo que seja uma questão de casta ou de classe social. A quem é de esquerda estará reservado o coirato em dias de festa, acompanhado de uma mini refrescada em barras de gelo, mantidas em caixas de esferovite. Quanto muito uma perninha de frango assado, com batata frita de pacote e um vinho tinto de garrafão.
Quase 50 anos depois de Abril, o país do respeitinho ainda não percebeu que defender um mundo melhor, onde todos possam ter acesso a ostras, coiratos e perninhas de frango, seja com champanhe, minis ou vinho tinto, é um direito e até um dever para qualquer pessoa. Sim, defender um mundo melhor, sem castas protegidas com direitos exclusivos, é um dever!
Quase 50 anos depois de Abril, com algumas excepções, ainda não temos uma direita de ideias e projectos que combata ideias e projectos. A direita revela-se ressabiada, mal resolvida, caceteira, representada em muitos casos por deserdados do tal colonialismo que diziam “fofinho”, frustrada, mas sem ideias, a não ser a de bater na esquerda, seja ela qual for, até mesmo naquela que embora parecendo não o é. Uma direita que solta foguetes com os casos e casinhos que vamos tendo, diga-se, num menu onde só é difícil escolher. Eis o paraíso de quem não tem ideias para o país, a não ser quando defendem menos impostos – o Estado, defendem, não faz falta nenhuma – e salários baixos.
A foto que ilustra este texto é precisamente de meia-dúzia de ostras e de dois copos de Chardonnay (branco, seco e gelado). Devo acrescentar que estavam excelentes. Em cima da mesa estão os cravos vermelhos que simbolizam a Liberdade que me permite escrever este texto e defender o direito de comer ostras e, se assim entender, ir de seguida a uma manifestação reivindicar aquilo a que julgar ter direito. Sei que a direita não gosta desta ideia de Liberdade e range os dentes de raiva, mas têm de se aguentar.
Já agora: num arredor chique de Paris, seis ostras e um copo de vinho custam 10€; um maço de tabaco custa 11€. É difícil tomar uma bica, sentado num café, longe das esplanadas com vista para o Arco do Triunfo ou da Torre Eiffel, por menos de 2€. Sei que não se pode falar de ostras e cigarros como se de pão ou leite se tratasse, e tenho a perfeita noção do que estes valores significam para quem recebe um (indigno) salário de miséria, mas serve para dar algum contexto.
Viva a Liberdade!
Viva o 25 de Abril!
J’adore les portugaises.
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