
Completamente fora da agenda internacional, a causa palestiniana definha. As principais forças políticas (Fatah e Hamas) continuam desavindas; Cisjordânia e Faixa de Gaza são governadas de formas distintas; a legitimidade do poder da Autoridade Palestiniana (AP) está ferida de morte por ausência de escrutínio democrático; o mundo árabe ficou está mais dividido depois dos acordos de Abraão; Mahmoud Abbas transformou-se num líder autocrático a ver minguar o território e os direitos do povo palestiniano, mas a querer manter-se no poder a qualquer preço, não se inibindo de reprimir os próprios palestinianos.
Palestina depois de Arafat
A eleição de Mahmoud Abbas para a liderança da AP surgiu como natural, após a morte de Yasser Arafat, de quem foi companheiro de luta durante toda uma vida. Em Janeiro de 2005, Mahmoud Abbas foi eleito Presidente da AP, com mais de 60% dos votos, numa votação a que o Hamas não apresentou candidato. No ano seguinte, contrariando todas as sondagens, o Hamas venceu as eleições legislativas, obtendo a maioria absoluta. O resultado eleitoral foi um choque para a Fatah, partido de Mahmoud Abbas, que recusou logo no dia seguinte a proposta do Hamas para um governo de coligação. Um ano depois, as divergências entre Fatah e Hamas deram origem a um banho de sangue na Faixa de Gaza, com muitos responsáveis políticos da Fatah a fugirem do território e com o Hamas a tomar o poder que a Fatah teimava em não ceder. Daí para cá, o Presidente da AP não voltou a entrar na Faixa de Gaza, limitando-se a gerir os destinos da Cisjordânia.
A divisão entre palestinianos foi naturalmente explorada pelos governos de Israel. E Mahmoud Abbas não se livra das acusações de colaboração com o inimigo ao perseguir e prender elementos do Hamas na Cisjordânia, tal como era, e é, prática de Israel.
Em Maio, na mais recente guerra na Faixa de Gaza, a AP demorou a reagir e foi o Hamas que se posicionou como defensor do povo palestiniano. O Movimento islâmico respondeu com o lançamento de rocket’s à entrada das forças de segurança israelitas na Esplanada das Mesquitas (cidade velha de Jerusalém) e às ameaças de expulsão de palestinianos do bairro de Cheikh Jarrah (Jerusalém Oriental).
O Status Quo
Uma das falhas mais recentes apontadas a Mahmoud Abbas é a de ter adiado as eleições inicialmente previstas para Maio e Julho. O adiamento teve como base o argumento de que não poderia aceitar que os palestinianos de Jerusalém Oriental não pudessem votar – Israel não autorizava a realização das eleições na zona palestiniana de Jerusalém. Neste aspecto, a decisão de Mahmoud Abbas é aceitável porque se acedesse a realizar eleições deixando de fora os palestinianos de Jerusalém Oriental, isso significaria que estaria a aceitar a autoridade de Israel numa parte da cidade que o Direito Internacional reconhece como palestiniana. Seria a capitulação. Acontece que Abbas foi confrontado com um problema que ele próprio ajudou a criar – ao transformar-se num líder forte para com os palestinianos, mas fraco em relação a Israel – vendo-se agora num beco sem saída em que qualquer que fosse a decisão tomada sairia sempre a perder.
Para além disso, a AP, sob a liderança de Abu Mazen, passou uma linha vermelha com a morte de Nizar Banat, activista dos Direitos Humanos e candidato numa lista independente às eleições que acabaram por não se realizar. Este activista, crítico da AP, foi detido em casa pelas forças de segurança palestinianas, tendo morrido menos de 48 horas depois. O médico legista assinalou sinais de agressões em todo o corpo. A família acusou as forças de segurança da AP de o terem assassinado e a Cisjordânia respondeu saindo à rua em protesto. A resposta da AP foi a repressão violenta das manifestações, o que levou a Alta Comissária dos Direitos Humanos da ONU a dizer à AP que tinha a obrigação e garantir a segurança dos manifestantes. Também a organização Repórteres sem Fronteiras anunciou que pelo menos 12 jornalistas foram agredidos pela polícia palestiniana durante os protestos na sequência da morte de Nizar Banat. Já em 2018, um relatório da Human Rights Watch acusava a AP de fazer “detenções arbitrárias” e alertava que a “prática sistemática de tortura poderia ser um crime contra a humanidade”.
É nisto que se transformou o poder de Mahmoud Abbas enquanto Israel estende o território dos colonatos, ameaça com anexações, retém impostos palestinianos, destrói casas e expulsa palestinianos de locais em que habitavam há décadas (a Missão da União Europeia em Jerusalém anunciou que desde o início do ano quase 600 palestinianos foram forçados a abandonar a casa onde viviam) e recusa cumprir as resoluções da ONU. Nos últimos 16 anos, Mahmoud Abbas não conseguiu contrariar, ou criar apoios que contrariassem, esta permanente ofensiva israelita. É certo que Israel tem a grande quota de responsabilidade, mas um líder palestiniano tem forçosamente de fazer mais.
Enquanto Yasser Arafat viveu os seus últimos tempos cercado pelas forças israelitas, na Mukahta, em Ramallah, mas contava com o apoio dos palestinianos, Mahmoud Abbas não está cercado na Mukahta, vive rodeado dos que beneficiam do poder e enfrenta a nuvem negra da corrupção (uma sondagem recente do Centro de Investigação Palestiniano revelou que cerca de 84% dos palestinianos considera que a AP é corrupta). Assim se explica que o apoio dos palestinianos a Mahmoud Abbas seja cada vez mais reduzido.
Talvez, como lembrou há dias o editorial do jornal Le Monde, seja tempo de Abbas partir: “O homem de Oslo, que deveria presidir à libertação do povo palestino, tornou-se um obstáculo para essa libertação. Sr. Abbas, chegou o momento de partir”.