O estado a que chegámos!

Vamos fazer um acordo: não atiremos pedras uns aos outros. Estamos na “casa onde não há pão”, a casa do Jornalismo, e não adianta criticarmos a casa dos outros quando na nossa casa acontecem coisas muito semelhantes. Todos erramos, e embora isso não possa servir de chapéu de chuva que abrigue de todas as águas, antes de vilipendiar os outros, paremos para pensar. O que, aliás, faz muita falta ao Jornalismo.

Serve este introito para dizer que a enorme gafe da SICnotícias ao mostrar uma imagem do jornalista Paulo Camacho quando noticiava a morte do jornalista Pedro Camacho (são irmãos), é lamentável, é incompetência, mas tem um contexto que merece reflexão e não apenas o apedrejamento dos que cometeram o erro.

Desde logo os dois jornalistas (Paulo e Pedro) trabalharam largos anos no grupo dono da SIC e são caras conhecidas para quem tem meia-dúzia de anos de profissão. A responsabilidade deste erro pode até nem ter sido de um jornalista novato ou de alguém que não jornalista mas igualmente novato. Seja quem for que tenha cometido o erro, se tiver consciência, acredito que estará agora com vontade de se enfiar num buraco onde ninguém o veja. Eu estaria.

Aqui chegados, tendo este caso como mote, é o momento de dizer que a responsabilidade não é das Redacções! A responsabilidade dos erros e atropelos a que todos os dias assistimos é das Administrações e das Direcções!

As administrações esvaziaram as Redacções dos jornalistas que tinham mais experiência e que podiam ajudar os novos a fazer caminho. Os mais velhos eram os mais caros e eram uns chatos porque questionavam (apesar de ser essa a função dos jornalistas, dentro e fora da Redacção. Não se pode ser perspicaz fora da Redacção e ser acéfalo na relação com as chefias. A não ser que se entre na lógica da caserna, onde os soldados obedecem aos sargentos que por sua vez obedecem aos generais).

Sabemos que é isso que querem agora: jornalistas dóceis, de preferência baratos e agarrados a vínculos precários, para que nunca refilem e façam tudo o que lhes dizem para fazer, com um sorriso nos lábios e sem falar em folgas ou horários. É assim o mundo perfeito das Administrações.   E de alguns Directores, daqueles que deixaram de representar a Redacção junto da Administração e passaram a representar a Administração junto da Redacção (alguns até gostam de dizer que também são gestores). Para quem já está a pensar que é assim que deve ser, é preciso que se diga que não é. Uma Redacção é um corpo muito especial que não pode ser gerido como uma linha de montagem numa qualquer indústria de produção em série.

A cada despedimento colectivo, a cada corte de regalias, apresentados sempre como não havendo alternativa, levando os que ficam a aceitar que outros sejam despedidos, só há uma certeza: o jornalismo perde qualidade. E mesmo numa lógica meramente economicista é certo que o retorno será menor.

Quem vive numa Redacção sabe bem o estado de necessidade em que nos encontramos, mas é natural que quem não tenha essa experiência não saiba exactamente do que estamos a falar. As pessoas exigem, e ainda bem, jornalismo de qualidade. Em paralelo criticam os jornalistas, por vezes com razão, mas muitas vezes sem ela. Imaginem por um momento o que seria exigir/precisar de uma cirurgia de peito aberto num hospital onde apenas um médico de clínica geral e meia-dúzia de enfermeiros estivessem de serviço. É quase a mesma coisa quando se pede bom Jornalismo. Felizmente temos muitos e bons jornalistas, mas daí a termos bom Jornalismo a diferença é grande.

Contrataram-se jovens de canudo na mão e lançaram-nos às feras. Esqueceram-se que um canudo não é garantia de coisa nenhuma e um jornalista demora uns anos a fazer; com muita tarimba, erros, gafes e respectivos alertas de quem já é jornalista feito. Não é uma questão de idade, é uma questão de experiência e de conhecimento acumulado.

Se as Administrações e as Direcções perdessem menos tempo com campanhas de marketing que apenas maquilham as insuficiências e dedicassem mais tempo e dinheiro à substância, teríamos um Jornalismo diferente. O marketing engana alguns durante algum tempo, mas não engana todos durante todo o tempo. E aqui regressamos ao que aconteceu na SICnotícias: o marketing e o embrulho são bons, mas por vezes falta o resto. É assim na SICnotícias e, de uma forma geral, em todos os órgãos de Informação.

A grande questão é a de saber se ainda vamos a tempo de salvar o Jornalismo. Tenho feito o que posso, mas posso pouco – nunca gostei da lógica da caserna e paguei por isso – e a grande tristeza que sinto ao ver aproximar-se a idade de dar o lugar a outros é a de ver a profissão neste estado. É o estado a que isto chegou e não sei se há Salgueiro Maia que nos salve.

PS – confio na fotografia utilizada e que foi publicada por Joaquim Vieira na página do Facebook “jornalistas”

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