
Ahmed Al Sharaa, presidente sírio, chegou este sábado (08.11) aos Estados Unidos para uma visita oficial. Dia 11, a Casa Branca abre portas a um “terrorista” e Donald Trump vai estar sorridente a recebê-lo e a fazer o número do costume. No interior dificilmente repetirá a comédia com que humilhou Zelensky. O negócio é outro, mas Al Sharaa que se cuide.
Desde logo, o pormenor de ver um “terrorista” entrar na Casa Branca devia servir para alguns espíritos reflectirem antes de proferirem acusações de “terrorismo” contra protagonistas pelos quais não nutrem simpatia. Vão ter de mudar a narrativa, porque se querem agradar a Washington não podem ser agrestes a convidados da Casa Branca. Terrorista hoje, homem de Estado amanhã. Muitas vezes assim tem sido, menos quando os “terroristas” são derrotados no campo de batalha e deixam a escrita da história para os vencedores.
Convenientemente, através de proposta dos Estados Unidos ao Conselho de Segurança, Ahmed Al Sharaa foi retirado da lista de terroristas da ONU, no dia 6 de Novembro, tal como Anas Hasan Khattab, ministro do interior. No dia seguinte, 07.11, os Estados Unidos fizeram precisamente o mesmo.
Agenda
De um lado e do outro, tem sido plantada na comunicação social informação sobre o que se espera desta visita. Espera-se que Al Sharaa assine um acordo que inclua a Síria na coligação de combate ao ISIS (organização Estado Islâmico); os Estados Unidos pretendem ter uma base militar nos arredores de Damasco, precisamente onde existe a base aérea de Mazzeh (na foto em baixo), que também servia de prisão e que Israel destruiu nos dias que se seguiram à fuga de Bashar Al Assad para Moscovo. Uma ambição norte-americana a que não é alheio o facto de a Rússia manter uma base aérea, e uma naval, na Síria.

Até agora, do que é possível perceber de Ahmed Al Sharaa é que está a desenvolver a sempre aconselhada estratégia de “não colocar todos os ovos no mesmo cesto”. Tem mantido contactos com a Rússia (antigo aliado de Assad), Turquia, países árabes incluindo as monarquias do Golfo, e até com Israel.
A relação da Síria com Israel é uma das questões mais sensíveis e Donald Trump não deixará de a associar a tudo o que Al Sharaa pretenda obter de Washington, nomeadamente a ajuda para desbloquear fundos (216 mil milhões de dólares, segundo o Banco Mundial) para reconstruir a Síria. Tecnicamente, Síria e Israel continuam em guerra. Israel tem atacado território sírio, mesmo depois da queda de Bashar Al Assad, e ocupou território no sul da Síria. Em Maio, aquando do primeiro encontro com Al Sharaa, Donald Trump disse que a Síria devia juntar-se aos Acordos de Abraão, mas alguns meses depois o presidente sírio disse que as negociações com Israel visam apenas um acordo de segurança para que Israel para com os ataques e retire as forças militares das zonas que ocupa no sul da Síria.
A relação com Israel será, porventura, a questão mais melindrosa da agenda. Trump quer dar a Netanyahu toda a ajuda possível para que o actual primeiro-ministro israelita enfrente as eleições do próximo ano com argumentos fortes, mas Al Sharaa sabe que a “rua” síria vê em Israel um inimigo de longa data e por muito dinheiro que possa jorrar em Damasco com o beneplácito de Donald Trump, o antigo “terrorista” precisa de apoio popular para não se transformar num novo Assad.
Mais do que a reconstrução das infraestruturas e da economia síria, a reconstrução dos laços intercomunitários que permitam uma vida sem sobressaltos numa Síria unida, é o principal garante para a sobrevivência do novo poder de Damasco. O problema de Al Sharaa é que Donald Trump prefere tudo o que seja negócio em detrimento das questões sociais.
Outra questão sensível é a dos curdos. Os Estados Unidos mantêm bases na zona curda e tiveram nos curdos os principais combatentes aliados contra o ISIS. Al Sharaa quer integrar as forças curdas nas novas Forças Armadas da Síria, controladas em damasco, mas os curdos não qualquer sinal de aceitarem o que entendem como perda da autonomia conquistada e pela qual pagaram um elevado preço. Não se conhece qualquer eventual proposta de Trump para a “questão curda”.
Equilíbrios
Al Sharaa sabe que no tabuleiro da geopolítica não vai poder agradar a todos, mas também sabe que depois de lhe retirarem o rótulo de “terrorista” vão ter de o ouvir de outra forma: um entre pares. E essa já é uma conquista para alguém que liderou o HTS (Hayat Tharir al Sham) e era visto como um jihadista. Aliás, vários analistas esperam que Donald Trump sublinhe essa faceta do percurso de Al Sharaa: o terrorismo ficou para trás, Al Sharaa é agora um homem pragmático que pode beneficiar da ajuda norte-americana e saudita para transformar a Síria num país estratégico.
Menos de um mês depois de ter sido recebido por Vladimir Putin, no Kremlin, Ahmed Al Sharaa chega à Casa Branca a saber muito bem com quem se vai encontrar. Donald Trump, tem demonstrado, não é confiável. Ahmed Al Sharaa arrisca-se a ser envolvido num “abraço de urso”. Mais do que a reconstrução das infraestruturas e da economia síria, a reconstrução dos laços intercomunitários que permita uma vida sem sobressaltos numa Síria unida, é o principal garante para a sobrevivência do novo poder de Damasco. O problema de Al Sharaa é que Donald Trump olha para as relações internacionais e para a diplomacia como um imenso jogo de monopólio, em detrimento de tudo o resto.
Pinhal Novo, 9 de Novembro de 2025
01h00
jmr
