
Ouvir as declarações de Donald Trump e Benjmanin Netanyahu sobre o Plano Trump para a Faixa de Gaza, remeteu inevitavelmente para os Acordos de Oslo, em 1993, quando o principal ficou por resolver. E nunca foi resolvido, já lá vão mais de 30 anos. Por isso aqui chegámos, com muitos a fecharem os olhos, até que o rio de sangue inundou Gaza e também Israel.
Os Acordos de Oslo deram origem à criação da Autoridade Palestiniana, para funcionar durante cinco anos, período em que deveria haver negociações sobre questões importantes: estatuto de Jerusalém, regresso dos refugiados, colonatos israelitas, ocupação dos territórios palestinianos e fronteiras do Estado da Palestina. Desde então e até hoje, nada foi resolvido. Todas as negociações fracassaram e o lado palestiniano acumulou perdas.
O plano de Donald Trump para acabar com a guerra na Faixa de Gaza padece dos mesmos erros, porque não vai à origem do problema: nem uma palavra sobre o Estado da Palestina (a não ser reconhecer que é uma ambição dos palestinianos; nem uma palavra sobre ocupação e anexação (a não ser dizer que a Faixa de Gaza não será anexada – mas não faz queuer referência à Cisjordânia).
O plano (resumido) de Trump (e Netanyahu)
Se Israel e o Hamas aceitarem este plano, a guerra termina imediatamente e as forças israelitas retiram para uma linha acordada para permitir a libertação de todos os reféns (vivos e mortos) que terá de ocorrer nas 72 horas seguintes. Depois disso, Israel libertará 250 prisioneiros condenados a prisão perpétua e 1 700 palestinianos de Gaza que foram detidos após 7 de outubro de 2023, incluindo todas as mulheres e crianças detidas naquele contexto. Por cada refém israelita cujos restos mortais forem libertados, Israel libertará os restos mortais de 15 palestinianos de Gaza.
Após a aceitação do acordo, toda a ajuda humanitária será enviada imediatamente para a Faixa de Gaza, incluindo ajuda para a reabilitação das infraestruturas (água, eletricidade, esgotos), reabilitação de hospitais e padarias e a entrada de equipamentos necessários para remover escombros e abrir estradas.
A entrada de distribuição e ajuda na Faixa de Gaza será feita através das agências das Nações Unidas e do Crescente Vermelho, além de outras instituições internacionais não associadas a nenhuma das partes.
O Hamas será desarmado e não terá qualquer interferência ou influência na governação de Gaza; os membros do Hamas que se comprometam com uma coexistência e entreguem as armas recebem uma amnistia. Os membros do Hamas que queiram sair de Gaza recebem garantia de passagem segura para os países que os acolherem.
Será estabelecida uma “zona económica especial” e Gaza será reconstruída com recurso a “um painel de especialistas que ajudaram a dar origem a algumas das prósperas cidades modernas e milagrosas do Médio Oriente”.
Os Estados Unidos comprometem-se a trabalhar com árabes e parceiros internacionais para desenvolver uma Força Internacional de Estabilização temporária, a ser imediatamente implantada em Gaza.
Gaza não será ocupada, nem anexada, e a retirada militar israelita será feita de acordo com a evolução do processo.
Ao contrário do que Donald Trump chegou a defender, os palestinianos não terão de deixar o território, mas quem quiser sair pode fazê-lo.
Ultimato
Donald Trump, ao apresentar o actual plano para a Faixa de Gaza, foi muito claro: ou o Hamas aceita o plano ou Benjamin Netanyahu poderá fazer o que quiser em Gaza e terá o apoio de Trump. Impossível dissociar esta ameaça do que Benjamin Netanyahu disse na Assembleia-Geral da ONU: “o trabalho” em Gaza ainda não terminou.
Ficou claro que o plano não é uma proposta, é um ultimato, em que os palestinianos não foram ouvidos. A Faixa de Gaza terá uma Administração constituída por palestinianos “independentes”, tecnocratas e especialistas internacionais, supervisionada por um Comité para a Paz, presidido por Donald Trump e que incluirá outros chefes de Estado e o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair.
A Autoridade Palestiniana (AP) terá de fazer reformas e fica de fora até que isso aconteça. Em comunicado, numa perspectiva optimista, ou naïf, a AP vê neste plano a possibilidade de “estabelecimento de mecanismos para proteger o povo palestiniano, garantir o respeito ao cessar-fogo e a segurança de ambos os lados, impedir a anexação de terras, interromper o deslocamento de palestinianos, pôr fim a ações unilaterais que violem o direito internacional, libertar receitas fiscais palestinianas retidas e levar a uma retirada israelense total”. Se assim for ficarão garantidas “a unificação das terras e instituições palestinas na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, acabaria com a ocupação e abriria o caminho para uma paz justa baseada na solução de dois Estados (…).
Problema: confiança
Por enquanto, o Hamas não respondeu a este plano proposto por Donald Trump e apresentado com Benjamin Netanyahu ao lado. Não é possível adivinhar como o Hamas vai reagir ao ultimato. Desde logo porque é apresentado assim mesmo, um ultimato, e depois porque contraria o que o Hamas tem vindo a exigir ao longo do tempo: a libertação de reféns só será feita contra a garantia de que a guerra termina e o exército israelita retira da Faixa de Gaza. A confiança do Hamas nas promessas israelitas é zero, porque as anteriores propostas e acordos sempre ficaram pelo caminho. Umas abortadas a meio do percurso, outras sem resposta do lado de Israel. Tudo o que não ficar pormenorizadamente assente e definido, tem o sério risco de correr mal para o lado do Hamas.
O Movimento palestiniano enfrenta também a sua própria fraqueza provocada pelos ataques israelitas: liderança política e comando operacional decapitados, perda de território e poder militar, desgaste e sofrimento da população da Faixa de Gaza.
Do lado israelita, Benjamin Netanyahu terá de convencer os parceiros de governo, mas poderá ter uma tarefa relativamente fácil, precisamente porque não fica assente no plano Trump que a guerra não pode ser retomada; porque a questão da anexação da Cisjordânia não é rejeitada no plano, e porque a questão do Estado palestiniano apenas é referida de passagem, mais para dizer que o plano não deixa de a abordar. Smotrich e Ben Gvir, os ministros mais radicais do governo de Netanyahu, não terão grande dificuldade em dar luz verde ao plano (embora a retórica possa ser outra…) porque sabem que todas as opções ficam em aberto e o grande Israel não fica comprometido.
Leituras
Para Marwan Bishara, analista político da Al Jazeera, este é um plano colonial com potências estrangeiras a decidirem o futuro da Faixa de Gaza.
O Secretário-Geral da Jihad Islâmica, Ziad Al-Nakhala olha para o que foi anunciado como sendo “puramente um acordo entre os EUA e Israel, refletindo a posição integral de Israel” (…) “uma fórmula para continuar a agressão contra o povo palestiniano. Com isto, Israel procura impor aos Estados Unidos o que não conseguiu através da guerra. Por isso, consideramos o anúncio dos EUA e de Israel uma receita para incendiar a região”.
Mohamed El Baradei, egípcio, antigo diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atómica e prémio Nobel da Paz em 2005, reagiu no X: “Acabei de assistir à conferência de imprensa da @WhiteHouse sobre Gaza e a Palestina… Estou tomado por um profundo sentimento de desespero pela Palestina e pela perspectiva de uma paz justa e duradoura na região… Não se trata de um plano de paz, mas de um esquema cínico de subjugação e de maior instabilidade regional!”

De Israel as reacções têm fornecem uma leitura diferente, incluindo dos líderes da oposição a Netanyahu.
O líder da oposição israelita, Yair Lapid, reagiu no X: “o plano do presidente Trump é uma boa base para um acordo sobre reféns e o fim da guerra”.
Também o deputado da oposição, Benny Gantz (ex-primeiro-ministro e ex-chefe de estado maior das forças armadas), disse numa publicação no X, que a proposta de Donald Trump, de pôr fim à guerra de quase dois anos em Gaza era uma oportunidade para libertar os reféns ali mantidos e salvaguardar a segurança de Israel.
O Fórum das famílias dos reféns considera que “é um acordo histórico que permitirá ao nosso povo curar-se, pôr fim à guerra e traçar um novo futuro para o Médio Oriente” (…) “O mundo deve exercer a máxima pressão para garantir que o Hamas aproveita esta oportunidade histórica de paz”.
De um modo geral as reacções a nível global foram de aceitação do plano Trump. Os ministros dos negócios estrangeiros do Egipto, Indonésia, Jordânia, Paquistão, Qatar, Arábia Saudita Turquia e Emirados Árabes Unidos, assinam um comunicado em que saúdam o plano e consideram-no um esforço sincero para acabar com a guerra em Gaza e afirmam confiança na possibilidade de encontrar um caminho para a paz”.

É verdade que a carnificina na Faixa de Gaza tem de terminar. Qualquer caminho que conduza à paz é bem-vindo, mas o futuro da Palestina e de um Estado palestiniano passa muito pela forma como terminar a guerra. Não há nenhum motivo para acreditar que ficam afastados os planos do Grande Israel, que têm minado a relação entre Israel e os palestinianos, e que têm evitado qualquer avanço das reivindicações palestinianas, aliás reconhecidas e estabelecidas pelo Direito Internacional.
Não deixa de ser curioso que este plano apenas estabeleça exigências ao lado palestiniano.
Não por acaso, Trump e Netanyahu concordaram em não responder a perguntas depois das declarações que proferiram. Trump voltou a ser claro: “faltam as assinaturas, haverá tempo para perguntas”.
Pinhal Novo, 30 de Setembro de 2025
02h30
jmr
