
A explicação de Marcelo Rebelo de Sousa foi frouxa. À chegada a Nova Iorque, onde vai participar na Assembleia-Geral das Nações Unidas, o Presidente da República explicou o momento da decisão de Portugal para o reconhecimento do Estado da Palestina e é, para já, uma fraca explicação.
Marcelo contextualizou: “desde sempre, com todos os presidentes e todos os governos, Portugal sempre defendeu o princípio da existência de dois Estados soberanos (Palestina e Israel), coabitando, convivendo, respeitando o Direito Internacional e a Carta das Nações Unidas. Mantém a mesma posição. E portanto, sempre fez tudo aquilo que a cada momento era fundamental para garantir essa solução. Para abrir caminho, nem que seja uma nesga de caminho para essa solução.”
Ora, essa nesga de caminho dificilmente se vislumbra: Gaza quase demolida, a Cisjordânia atacada diariamente e também a ser destruída, os colonatos a crescerem. O problema não tem dois anos, nem dez… tem muitos mais. A questão da “solução dois Estados”, de há muito que vem a ser inviabilizada através da expansão da ocupação da Cisjordânia e dos ataques às aldeias, cidades e campos de refugiados. A União Europeia e o Ocidente foram fechando os olhos, apesar dos alertas, criando a ilusão de que passar cheques à Autoridade Palestiniana podia resolver o problema. Foi um argumento para a União Europeia poder dizer que apoiava a causa palestiniana mas, paradoxalmente, era Israel o grande beneficiário dessa situação porque sempre foi ganhando território e alargando a ocupação, dando a ilusão que queria negociar. Não queria. Queria “negociações eternas” até ao momento em que pudesse dizer que já não admitia um Estado palestiniano. Começou a dizê-lo de forma dissimulada e agora, há já algum tempo, di-lo abertamente, mesmo quando os Estados Unidos e a União Europeia ainda referiam essa solução.
O primeiro erro da União Europeia, alinhando com Israel e os Estados Unidos, foi o boicote e o cerco à Faixa de Gaza, depois da vitória do Hamas nas eleições de 2006. Eleições que os observadores da União Europeia reconheceram como “livres, democráticas e justas”. As palavras foram de Xavier Solana (era o Alto Representante da União Europeia para a Política Externa), na sede da Autoridade Palestiniana, em Ramallah, no dia seguinte às eleições. Depois, foi o que se sabe, até chegarmos aqui. O boicote ao governo do Hamas, em Gaza, aprofundou a divisão entre palestinianos. Para Israel, a situação era perfeita.
Facto consumado
Disse o Presidente da República que “actuar neste momento, sendo essa a decisão do governo português, é actuar para abrir ainda uma hipótese no sentido de haver dois Estados. Deixar criar o facto consumado e isso se tornar impossível, significa que uma posição extemporânea é uma decisão que perde razão de ser”. Diz ainda Marcelo que o tempo acelerou, devido ao ataque do Hamas e a uma deliberação do parlamento israelita no sentido de se afastar da orientação de dois Estados, dois momentos que no entender de Marcelo provocaram uma radicalização.
Mais uma vez, uma frouxa explicação. O sentido das palavras do Presidente é que, afinal, Portugal reconhece o Estado da Palestina no último momento, quando já não poderia deixar de o fazer, e não por entender que é justo e é essa a decisão certa. De facto, esperar ainda mais, significaria que um eventual reconhecimento se arriscaria a ser um acto absolutamente vazio, deslocado da realidade. Mas fazê-lo agora não fica muito longe desse vazio.
Rangel
Falta ainda saber o que o Ministro dos Negócios Estrangeiros tem para dizer, este domingo, à hora do Telejornal (20h15), quando fizer o reconhecimento oficial do Estado da Palestina. O governo português ainda não há muito tempo impôs condições para fazer o reconhecimento do Estado da Palestina e a expectativa é a de saber que tipo de condições vai agora Paulo Rangel apresentar, ou como vai justificar o reconhecimento sem que estejam cumpridas as condições anteriormente ditadas por Luís Montenegro.
Mas não são apenas os últimos governos portugueses que colaboraram para que a solução dois Estados se tornasse inviável. Outros governos europeus que estão agora a reconhecer o Estado da Palestina fizeram o mesmo. O facto de Espanha, Irlanda e outros países terem feito esse reconhecimento há já algum tempo, não os iliba da responsabilidade silenciosa das últimas décadas e da cumplicidade com o Estado de Israel, um Estado cujas políticas em relação à Palestina contrariavam todos os valores que a União Europeia diz defender.
A fraqueza europeia conduziu a um momento em que a única coisa que há para salvar é a má consciência de quem foi assistindo a tudo isto sem “mexer uma palha” e alinhando até, em muitos casos, com ministros israelitas de extrema-direita, líderes israelitas acusados de crimes contra a humanidade e foragidos da justiça internacional.
Marcos Farias Ferreira, analista de política internacional, sintetizou na RTP3 (20 de Setembro de 2025): “Não é o reconhecimento de um Estado é o reconhecimento de um cemitério”.
Pinhal Novo, 21 de Setembro de 2025
01h00
jmr
