
O Palácio do Eliseu antecipou-se e o Ministério dos Negócios Estrangeiros não teve outro remédio a não ser enviar às redacções um pequeno comunicado: “O Ministério dos Negócios Estrangeiros confirma que Portugal vai reconhecer o Estado da Palestina, como o Ministro, aliás, já tinha antecipado esta semana. Tal acontecerá no domingo, dia 21 de Setembro, pelo que a Declaração Oficial de Reconhecimento terá lugar ainda antes da Conferência de Alto Nível da próxima semana.”
Os países envolvidos na Conferência de segunda-feira, arquitectada por França e Arábia Saudita, à margem da Assembleia-Geral da ONU, vão reconhecer o Estado da Palestina, mas pretendem fazê-lo com algum cuidado. Se esse reconhecimento já é muito mal visto pelo governo israelita, o sentimento geral é que a reacção de Telavive poderá ser ainda pior se for feito no dia da Conferência de Alto Nível (22 de Setembro) por ser o dia de Ano-novo judaico. Diplomacia obriga a evitar o melindre. Poucas horas depois de surgir a notícia, a imprensa israelita dá pouco destaque à decisão de Portugal e ainda não se conhece a reacção de Telavive.
Os países em causa (Portugal, Andorra, Austrália, Bélgica, Canadá, França, Luxemburgo, Malta, Reino Unido e São Marino) já admitiam fazer esse reconhecimento antes da dita Conferência e foi o que Portugal acabou por fazer, embora mais cedo do que o previsto devido à informação que a presidência francesa pôs a circular.
Reconhecimento com condições?
O reconhecimento está anunciado mas vai ser preciso esperar para conhecer os termos em que será feito. É bom recordarmos as condições que Luís Montenegro considerou necessárias para que Portugal reconhecesse o Estado da Palestina. A 18 de Junho, no Parlamento, o primeiro-ministro colocou cinco condições:
1 – “É preciso salvaguardar que a Autoridade Palestiniana, efectivamente, abre e garante a oportunidade de proceder a uma libertação segura dos reféns que tem na sua posse… (Paulo Rangel, sentado ao lado do PM, disse baixinho: “na posse do Hamas”, e Luís Montenegro corrigiu…) do Hamas, exactamente”.
2 – “Que haja (…) reformas internas por parte da Autoridade Palestiniana, com vista a poder perspectivar-se no médio prazo a realização de eleições presidenciais e eleições legislativas”.
3 – “Haver a desmilitarização do Estado e cabendo naturalmente neste contexto a sua segurança externa a missões de protecção internacional”.
4 – “O desarmamento do Hamas ou de qualquer outro movimento ou força de cariz político que tenha o mesmo enquadramento”.
5 – “O reconhecimento do Estado de Israel por parte da Autoridade Palestiniana”.
Podemos voltar atrás para reler estas condições e verificar, uma por uma, que nada mudou desde que Luís Montenegro as enunciou. Apesar disso, o governo que não reconhecia o Estado da Palestina sem estas cinco questões resolvidas, prepara-se agora fazer esse reconhecimento. Esperemos por Domingo para, eventualmente, sabermos o que motivou a decisão do governo português e para percebermos os termos concretos em que esse reconhecimento vai ser feito.
O que muda com o reconhecimento?
É, acima de tudo, um acto simbólico. Em termos práticos o reconhecimento do Estado da Palestina poucas consequências tem. No terreno, em Gaza, onde a carnificina continua, e na Cisjordânia, onde os torniquetes da ocupação tornam a vida dos palestinianos cada vez mais insuportável, também nada mudará.

Mas este reconhecimento, que já é feito pela esmagadora maioria dos países, tem duas mensagens importantes, para além de, a partir de agora (se o reconhecimento por parte de França e Reino Unido se concretizar), quatro dos cinco membros do Conselho de Segurança da ONU reconhecerem o Estado da Palestina. Só os maiores aliados de Israel, Estados Unidos, ficam de fora.
Para Israel significa que está cada vez mais isolado na casa comum das nações e que não se pode manter à margem do Direito Internacional; para os palestinianos é a única forma de lhes dar algum alento numa luta pelo justo direito à autodeterminação e independência. É também um passo que abre caminho ao Estado da Palestina para ter o reconhecimento de Estado de pleno direito da ONU (Estado-membro). O processo passa pela Assembleia-geral e pelo Conselho de Segurança, e não será um caminho fácil.
Este reconhecimento do Estado da Palestina serve igualmente para tornar mais fácil a aplicação de sanções a Israel. Afinal, de que servirá reconhecer o Estado da Palestina se quem o reconhece nada fizer para que a Palestina seja, de facto, um Estado soberano? E isso significa que terão de fazer Israel sentir que não pode fazer o que quer, sem qualquer respeito pelas resoluções das Nações Unidas e pelo Direito Internacional.
7 de Outubro
Ao contrário do que argumenta Israel, o reconhecimento do Estado da Palestina não é um prémio para o Hamas, nem para o terrorismo. Antes pelo contrário, se esse reconhecimento tivesse acontecido no devido tempo e se Israel tivesse sofrido há mais tempo a necessária pressão para respeitar o Direito Internacional, nunca teria havido 7 de Outubro. Se a ocupação israelita tivesse sido devidamente condenada e se os palestinianos não fossem humilhados ao longo de décadas, não teríamos chegado ao drama a que hoje assistimos, uma catástrofe que só não atormenta as almas empedernidas sem ponta de humanismo.
Os sucessivos governos portugueses nunca quiseram reconhecer o Estado da Palestina. Ora porque iam “escolher o momento mais adequado”, ora porque “ainda não existem condições”, ora porque teria de ser “num momento com consequências para a paz”, ora porque “seria relativamente inconsequente”…
Portugal vai agora reconhecer o Estado da Palestina num momento em que os territórios palestinianos sofrem a maior ofensiva desde a fundação do Estado de Israel. São territórios desfeitos e Gaza está a ser demolida. A pergunta é: foi preciso chegar a isto?
Dirão que mais vale tarde que nunca. É verdade, mas é mesmo muito tarde. E agora, os que andaram a engendrar argumentos para não encarar o problema de frente e tomar as decisões justas que o Direito Internacional exigia, têm uma última oportunidade de fazer o que está certo. A decisão do reconhecimento, mesmo muito tardia, serve para limpar a consciência, mas é preciso muito mais para ter a cara limpa e poder olhar espelho.
Ficamos à espera.
Pinhal Novo, 20 de Setembro de 2025
02h15 jmr
