
Está em marcha a ofensiva militar israelita para tomar a cidade de Gaza e os arredores. Isso significa que os grandes campos de refugiados a norte da capital do território também vão ser “limpos” de palestinianos. O rolo compressor avança. À hora a que escrevo (17h30), a defesa civil de Gaza dá conta de 48 mortos palestinianos desde o nascer do dia. Já não é notícia, tal o mal foi banalizado. Imaginem o que seria se hoje tivessem morrido 48 israelitas. Quantos discursos, quantas declarações, quantas promessas de ajuda a Israel…
O governo de Israel não esconde o objetivo de “controlar” Gaza nem de facilitar a saída dos palestinianos que queiram deixar o território. Aos outros diz que devem deslocar-se para sul e para campos onde terão alimentos. Percebe-se a intenção. Apesar da ajuda humanitária estar a entrar a conta-gotas, Israel mantém a máquina de comunicação a dizer que não há fome em Gaza e mostra fotografias de palestinianos gordinhos.
Objetivo Cisjordânia
Na Cisjordânia ocupada, o governo de Israel deu luz verde à construção de 3 400 habitações em colonatos que vão isolar Jerusalém Oriental (também ocupada) e são mais um passo para transformar a Cisjordânia em cantões isolados o que significa mais obstáculos à criação de um Estado palestiniano.
Actualmente, vivem na Cisjordânia ocupada cerca de 500 000 colonos (mais 200 000 em Jerusalém Oriental), mas já em 2020, o então ministro da defesa Naftali Bennett, perante Netanyahu e o então embaixador norte-americano, David Friedman, assumiu que o objetivo israelita para 2030 era ter um milhão de colonos na Cisjordânia. Não há, portanto, qualquer novidade, e ninguém pode dizer que não sabia das intenções israelitas.

A violência na Cisjordânia cresceu exponencialmente desde Outubro de 2023. Enquanto em Gaza já morreram mais de 62 000 palestinianos, a Autoridade Palestiniana revela que o número de palestinianos vítimas de ataques militares e de colonos na Cisjordânia, está próximo dos 1 000.
Reis, presidentes e primeiros-ministros, Instituições Internacionais como a ONU, condenam a ofensiva militar na Faixa de Gaza e os planos para alargar a ocupação na Cisjordânia, mas não há uma medida, uma sanção, uma acção concreta, contra Israel.
A cobardia europeia
A mesma União Europeia tão lesta a aplicar sanções à Rússia (já vai no décimo oitavo pacote…) não levanta um dedo contra Israel, com a excepção de sanções aplicadas a dois colonos extremistas. Nas últimas horas, a ONU e vários países europeus, incluindo Portugal, condenaram a aprovação do plano de construção israelita na Cisjordânia ocupada, considerando-a “inaceitável” e lembrando que é uma violação do direito internacional.
Outro grupo de 27 países, incluindo Portugal, exigiu hoje a Israel que autorize a entrada da imprensa internacional em Gaza.
Está tudo muito certo, mas tudo isto nem chega a “fazer cócegas” ao governo israelita. A União Europeia (nestes dois casos apenas alguns países europeus), a não ser que queira lavar a consciência, nem precisa perder tempo ou passar pelo incómodo de fazer estas condenações porque não mudam rigorosamente nada. O governo de Netanyahu já deu mostras de não ouvir nada, nem ninguém – a não ser o aliado Trump – e apenas fazer o que muito bem entende, com absoluto desprezo pelos Direitos Humanos e em total desrespeito pelo Direito Internacional.
Perante um governo assim, a União Europeia – porque é essa a instituição que nos toca directamente – deveria mudar de atitude, mas até a ausência de uma tomada de posição em nome da própria União diz muito sobre o poder e a influência de Israel. À União Europeia não pode bastar despejar camiões de dinheiro na Autoridade Palestiniana. Sabemos que pedir firmeza à União Europeia é pedir muito aos actuais líderes europeus porque há uma velha ambiguidade e uma enorme hipocrisia da União Europeia relativamente ao que está a acontecer na Faixa de Gaza e sempre tem acontecido nos territórios palestinianos.
A União Europeia não precisa que alguém lhe lembre que tudo isto só está a acontecer porque sempre, sempre, fechou os olhos à ocupação israelita nos territórios palestinianos, fechou os olhos às políticas coloniais e expansionistas dos governos israelitas. A União Europeia sempre foi complacente e cúmplice com os governos de Israel. Sempre soube que as resoluções da ONU não estavam a ser cumpridas; sempre soube que os colonatos estavam a crescer; sempre soube que havia palestinianos presos sem nenhum tipo de protecção legal ou garantia de justiça independente. A lista é muito longa. A União Europeia sempre soube de tudo isso, incluindo dos projectos que financiava e que eram destruídos pelas tropas e colonos israelitas. Nunca fez nada, para além de palavras de condenação e exigências vãs.

Quanto ao reconhecimento do Estado da Palestina, a pergunta a fazer é: porquê só agora alguns países europeus ponderam essa possibilidade? Terá sido necessário ver os palestinianos morrerem de fome, serem assassinados aos milhares, não terem um tecto, uma escola, um hospital e enfrentarem ainda a ameaça de uma nova Catástrofe? Terá sido necessário ver os colonos israelitas, qual bando de bárbaros, irromperem na Cisjordânia queimando casas, colheitas, carros e tudo o que é palestiniano?
Como se não bastasse, Israel ainda ameaça países e líderes europeus, qualificando-os de antissemitas e acusando-os de premiarem o terror e o Hamas ao admitirem que, agora, vão reconhecer o Estado da Palestina. A tal “única” democracia do Médio Oriente, é (não de agora…) o perfeito exemplo do “quero, posso e mando”, subjugando e difamando quem a ela se opõe. Para quem não se lembra talvez seja conveniente revisitar o momento em que diplomatas europeus de visita a Jenin (Maio de 2025) foram recebidos a tiro peças forças israelitas.
Trump e Netanyahu
Não é possível criticar o governo israelita – embora a muito custo e sem qualquer sanção sanção – e não dizer uma palavra sobre o apoio norte-americano, sem o qual Netanyahu não podia fazer o que está a fazer na Faixa de Gaza e na Cisjordânia.
Sem as armas e munições norte-americanas, a carnificina de Gaza já teria terminado. Sem o apoio militar de Donald Trump, o cessar-fogo já teria sido assinado. Recorde-se que o Hamas já disse há mais de 48 horas que aceita o cessar-fogo apresentado pelos mediadores, mas o Governo de Netanyahu ainda nem agendou uma reunião para decidir a resposta que vai dar.
Sabemos que a União Europeia precisa de equilibrar a política em relação a Gaza e a Israel com a política em relação à guerra na Ucrânia. E sabemos que há uma filosofia seguidista entre os líderes europeus que olham para Washington como quem olha para uma mensagem divina vinda dos céus. Netanyahu sabe que, enquanto a União Europeia tiver uma atitude de subserviência em relação aos Estados Unidos, pouco fará em relação a Israel. É este nó que Bruxelas terá de desatar sob pena de cair mais uns pontos na consideração dos europeus (seja lá isso o que for…).
No entanto, não podemos esquecer a triste figura de Ursula von der Leyen quando foi recebida na Escócia por Donald Trump entre duas tacadas no campo de golf, para o tal acordo comercial com os Estados Unidos. Tal como não podemos esquecer a deprimente figura dos líderes europeus em Washington, quais meninos sentados, sossegadinhos, frente ao mestre-escola, em Washington, para debaterem a guerra na Ucrânia.
É tudo muito mau e destas lideranças pouco ou nada podemos esperar. Talvez apenas mais tragédia e mais vergonha.
Pinhal Novo, 21 de Agosto de 2025
19h20
jmr
