Fome é fome, mesmo que Netanyahu diga que o Sol não é o Sol

Crianças palestinianas tentam obter alimentos no campo de refugiados de Jabalia, 11 de Março de 2025. Foto: Mahmoud Issa/Anadolu

Há uma metáfora que sintetiza o momento de desinformação quanto ao que está a acontecer na Faixa de Gaza: “Israel pode chamar ao Sol outra coisa qualquer, não faz qualquer diferença. O Sol continua o Sol, a Lua continua a Lua”. O autor é um palestiniano, Riyad al-Maliki, em entrevista à Antena 1 (Dezembro de 2012) quando era Ministro dos Negócios Estrangeiros da Autoridade Palestiniana.

Há quase 22 meses que os palestinianos de Gaza enfrentam o terror de uma guerra impiedosa e desde Março que estavam sem receber alimentos, água e medicamentos. Já houve muitos outros momentos em que também foi assim. O cerco a Gaza é fruto de uma decisão política do governo de Israel. Vários ministros e deputados israelitas disseram claramente que queriam matar os palestinianos à fome (não se pode fazer outra leitura das palavras que têm proferido) e nem sequer travaram os grupos de fanáticos que muitas vezes bloquearam a entrada de ajuda, mesmo quando estava autorizada por Israel.

O governo israelita e principalmente o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu podem repetir à exaustão que não há nenhuma decisão política para provocar a fome na Faixa de Gaza e que não há fome em Gaza, mas todos sabemos que é mentira. Para descredibilizar as imagens da fome que as agências internacionais e os principais media divulgam, recorrem agora ao argumento de que são imagens fabricadas por inteligência artificial ou que são imagens de outros locais, mas já não há forma de iludir até os mais fervorosos defensores da política israelita. Nesta fase, só mesmo uma cegueira insana e doentia impede alguém de admitir o terror que Israel disseminou na Faixa de Gaza.

Construção da mentira

Outra mentira que está a ser divulgada é a de que a ajuda humanitária há muito que estava disponível mas as Nações Unidas e as ONG’s não faziam a distribuição. É mentira! O governo israelita até leva agora alguns jornalistas a Kerem Shalom (em hebraico)/ Karem Abu Salem (em árabe), um ponto de entrada de ajuda humanitária, para mostrar as paletes de ajuda que esperam transporte para o interior do território palestiniano, mas Netanyahu e o seu governo sabem muito bem que há muito impediram a UNRWA de trabalhar nos territórios palestinianos, barraram muitas Organizações Não Governamentais (ONG) e recusaram vistos a vários responsáveis de agências das Nações Unidas em Gaza. Israel proibiu formalmente a UNRWA de trabalhar no seu território e o responsável principal da UNRWA, Philippe Lazzarini, está impedido de entrar na Faixa de Gaza. O governo de Israel pode construir a narrativa que quiser mas nunca nos devemos esquecer que é o único governo do mundo que não permite a entrada do secretário-geral da ONU no seu território.

Israel desrespeita tudo o que é Direito Internacional, porque enquanto potência ocupante de Gaza, não está a cumprir a sua obrigação ao abrigo das Convenções de Genebra de satisfazer as necessidades dos civis. A tentativa de construir a ilusão de que há ajuda disponível e de que a responsabilidade dessa ajuda não ser distribuída é da ONU e das ONG’s, é uma armadilha onde só os incautos vão cair.

Genocídio

Para além da utilização da fome como arma (e crime) de guerra, a Médicos pelos Direitos Humanos (PHRI, na sigla em inglês) e o B’Tselem (Centro Israelita de Informação pelos Direitos Humanos nos Territórios Ocupados), as duas mais respeitadas ONG’s de direitos humanos israelitas, também não têm dúvidas quanto ao Genocídio em curso: (não há alternativa) “senão reconhecer a verdade: Israel está a cometer genocídio contra os palestinianos da Faixa de Gaza”. O relatório “Our Genocide” https://www.btselem.org/sites/default/files/publications/202507_our_genocide_eng.pdf destas ONG’s, apresentado em Jerusalém, revela a dimensão da tragédia.

Netanyahu pode dizer que a fome não é fome, mas a fome é mesmo fome; Netanyahu pode dizer que não há Genocídio em Gaza, mas a realidade desmente o primeiro-ministro israelita. Netanyahu é responsável por tudo isto, mas não está sozinho, porque muitos o acompanham nas decisões tomadas e muitos outros são cúmplices ao não confrontarem o governo de Israel com a tragédia que a Faixa de Gaza está a viver.

Pinhal Novo, 31 de Julho de 2025

18h00

jmr

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