
Reza Pahlavi, príncipe herdeiro da dinastia Pahlavi, tentou cavalgar a guerra desencadeada contra o Irão para ensaiar um regresso ao trono, mas as contas saíram-lhe furadas. Ainda a troca de mísseis entre Telavive e Teerão estava a meio e já o príncipe preconizava: “o fim do regime está próximo, é para nós um momento comparável à queda do muro de Berlim”. Por agora, o “muro” de Teerão não caiu. Exilado nos Estados Unidos, Reza Pahlavi reivindica o título de Xá desde o dia da morte do pai, Mohammad Reza Pahlavi, a 27 de Julho de 1980.
O príncipe ainda não tinha feito 11 anos quando o pai, organizou aquela que é vista como a maior festa de sempre, e sem dúvida a mais cara, alegadamente para festejar os 2500 anos da monarquia persa. Alguns analistas consideram que esse foi o acontecimento que definiu o divórcio entre o Xá e o povo, tal o contraste entre a ostentação da monarquia e a pobreza dos iranianos.
De aliados a inimigos
Irão e Israel, no tempo do Xá, foram bons amigos. Havia uma grande comunidade judaica no Irão, Israel tinha em Teerão uma importante representação diplomática e importava do Irão 40% do petróleo de que precisava, fornecendo em troca armas, tecnologia e produtos agrícolas. Israel, rodeado de inimigos árabes, via no Irão um aliado não-árabe perfeito. A própria polícia política iraniana Savak foi formada pela CIA (que engendrou o golpe de estado de 1953 para repor o Xá no poder e afastar o primeiro-ministro nacionalista Mohammad Mossadegh) e depois pela Mossad. Bons tempos, mas a relação oficial entre os dois países quebrou-se em 1979, com a fuga do Xá e, depois, com a instauração da República Islâmica, mas ainda assim as trocas comerciais mantiveram-se. Durante a guerra Irão-Iraque (1980-1988), Israel vendeu mísseis a Terrão no que ficou conhecido pelo caso Irangate (que Portugal bem conhece) e que envolvia os Estados Unidos e a libertação de reféns norte-americanos no Líbano.
Em 1979, o Xá não resistiu à pressão da rua. Manifestações e protestos populares (desta vez sem intervenção da CIA) forçaram o exílio do monarca. Desde essa fuga do Xá e do regresso do Ayatollah Khomeiny, a relação entre os dois países nunca mais foi a mesma. E piorou quando George W. Bush, em 2002, colocou o Irão no “Eixo do Mal”, juntamente com o Iraque e a Coreia do Norte. Daí para cá, é o que sabemos: Israel e a obsessão do nuclear iraniano, sendo que a fatwa (decreto religioso) do Ayatollah Ali Khamenei proíbe o Irão de ter ou fabricar uma arma nuclear; o Irão refere-se a Israel como a “entidade sionista” e Khomeiny já tinha cunhado a expressão “pequeno satã” para se referir a Israel. O Irão sofre ataques cujas suspeitas de autoria recaem em Israel; Israel é atacado por grupos que recebem apoio do Irão. O Irão, de maioria Xiita, está também ele rodeado de países hostis de maioria sunita. Israel explora essa realidade geográfica e religiosa colocando na mesa os Acordos de Abraão, procurando normalizar relações com os países árabes, tentando colocar o Irão em completo isolamento.
Outros tempos
O tempo do Xá, no Irão, é muitas vezes descrito como um tempo de liberdade num país que adoptara muitos hábitos e valores ocidentais e por isso visto (pelos ocidentais) como um país mais próximo. No entanto, o Irão do tempo do Xá era um país que vivia com grande repressão política, censura e fortes desigualdades sociais. A modernidade e o desenvolvimento económico que lhe eram apontados, não passavam afinal dos bons negócios das elites iranianas com as petrolíferas internacionais e das pessoas que vestiam moda ocidental nas ruas de Teerão. Mais ou menos o que viria a acontecer em Bagdad, com Saddam Husseín (sempre muito elogiado no ocidente devido a uma alegada laicidade), que chegou ao poder no mesmo ano – 1979 – quando o Xá do Irão foi afastado do poder e foi instaurada a República Islâmica.
Sem perdão
Ainda hoje, o Irão carrega o fardo de ter humilhado os Estados Unidos no episódio dos reféns da Embaixada norte-americana em Teerão, em 1979. Essa humilhação custou a reeleição a Jimmy Carter. Utilizando uma expressão popular, os Estados Unidos saíram de Teerão “com o rabo entre as pernas”, tal como saíram do Afeganistão em 2021. Se Roma nunca pagou a traidores, Washington nunca perdoa a quem lhe faz frente. A soberba dos Impérios nunca muda.
O impossível
Por muito que o príncipe herdeiro queira assumir o trono que reivindica, esse é um cenário pouco provável. Reza Pahlavi acusa o regime de estar severamente diminuído e humilhado. Gostou de ouvir Donald Trump referir-se a uma possível “mudança de regime”, tal como Benjamin Netanyahu também referiu, e diz estar em contacto com interlocutores de alto nível na Europa e nos Estados Unidos, mas a verdade é que os líderes políticos ocidentais percebem que não há uma alternativa política organizada que possa assumir o poder em Teerão e que forçar uma mudança de regime seria atirar o Irão para um caos de consequências imprevisíveis. A oposição iraniana está fragmentada e sem uma liderança reconhecida. Nem mesmo o príncipe herdeiro, que tem nessa herança do trono o único instrumento de legitimidade política, recolhe apoios que lhe permitam acalentar o sonho de liderar o Irão. O Conselho Nacional de Resistência do Irão, com base em Paris, é uma das vozes da oposição, tem alguma visibilidade, mas é um grupo que até 2012 foi considerado “organização terrorista” por parte dos Estados Unidos e da União Europeia.
No tempo do Xá e da revolução que lhe tirou o poder, não havia inimigos externos para culpar pelas desigualdades sociais e pela repressão. Agora há: as sanções norte-americanas e a recessão económica, os ataques da “entidade sionista”, os inimigos do Islão. É normal que num quadro assim, o regime iraniano consiga algum apoio interno, mesmo que os iranianos aspirem a mais liberdade e a melhores condições de vida. É da história: os povos unem-se em redor dos líderes quando a ameaça vem do exterior.
Longe vão os tempos em que o Xá Mohammad Reza Pahlavi se autoproclamava “Rei dos Reis”. O príncipe que quer ser Xá, vai ter de esperar, Israel também, o “trono” é de Ali Khamenei.
Pinhal Novo, 8 de Julho de 2025
18h00
jmr
