
O Irão derrotado, os aliados Hezbollah e Hamas decapitados e enfraquecidos, uma Autoridade Palestiniana irrelevante, Bashar Al-Assad deposto, a Cisjordânia quase anexada e Gaza a caminho de ser uma Riviera, os países do Golfo rendidos aos negócios. Um “mundo perfeito” e uma lógica que transforma Benjamin Netanyahu num herói nacional e, assim, um quase deus que a justiça dos homens (em Israel) não poderá julgar.
Não por acaso, Trump quer dar a Netanyahu uma espécie de estatuto de intocável ao pedir que a justiça israelita desista de julgar o actual primeiro-ministro nos processos de corrupção em que é visado. Disse Trump que “o julgamento de Bibi Netanyahu deveria ser cancelado imediatamente”. “Inédito! Esta é a primeira vez que um primeiro-ministro israelita em exercício vai a julgamento, politicamente motivado (…) para lhe causar grandes danos”, acrescentou Trump, que ainda classificou o processo como “uma caça às bruxas” contra “um grande herói”.
Escrito nas estrelas
Em Abril de 2019, Thomas L. Friedman assinava no New York Times um artigo com o título: “Bibi Trump e Donald Netanyahu. Ambos veem os problemas do mundo como oportunidades para consolidarem a sua permanência no poder”. No texto explicava o trocadilho com os nomes dos protagonistas: “(…) presidente Trump e primeiro-ministro Benjamin Netanyahu são essencialmente a mesma pessoa, e representam a mesma ameaça para as respectivas nações” (…) “São ambos homens totalmente sem vergonha, apoiados por partidos totalmente sem coluna vertebral, protegidos por grandes media totalmente despidos de integridade. São ambos financiados por um magnata dos casinos de Las Vegas, Sheldon Adelson” (um dos 10 homens mais ricos do mundo, falecido em Janeiro de 2021). Traçando este contexto para Trump e Netanyahu, Thomas L. Friedman fazia uma previsão: “Cada um deles tem a liberdade de cruzar limites que os seus antecessores jamais ousaram cruzar. É por isso que acredito que mais quatro anos de Netanyahu (…) e mais seis anos de Trump (…) acelerarão o surgimento de uma América e de Israel onde o respeito pela civilidade, pela democracia, por um poder judiciário independente e por uma media independente, não continuarão a ser exemplos a serem seguidos.”
Estávamos em Abril de 2019 quando Thomas L. Friedman fez esta previsão. Apenas se enganou na reeleição de Trump após o primeiro mandato, mas o interregno de quatro anos foi apenas isso mesmo: um interregno. Tudo o resto bateu certo.
A Faixa de Gaza
Para já a única chatice – porque há reféns israelitas – é mesmo uma guerra na Faixa de Gaza que continua a matar civis palestinianos de forma indiscriminada e que está a custar a Israel a perda de reputação internacional e entrada na lista de estados párias.
Donald Trump tomou posse para este mandato presidencial a 20 de Janeiro de 2025 e a primeira coisa que fez foi rebentar o acordo de cessar-fogo que o Hamas e Israel tinham assinado. Aliás, o cessar-fogo tinha entrado em vigor no dia anterior à tomada de posse de Trump, prevendo a libertação de reféns na posse do Hamas por troca com prisioneiros palestinianos nas prisões israelitas. Era um acordo em três fases e o antecessor de Trump, Joe Biden, anunciara que a fase dois teria uma negociação para “um fim permanente da guerra”.
O que fez Donald Trump? Veio anunciar a construção de uma “Riviera” na Faixa de Gaza e o deslocamento forçado de dois milhões de palestinianos, acrescentando um conjunto de exigências inaceitáveis para o Hamas. O acordo ruiu e o ministro da defesa de Israel, Israel Katz, anunciou a 18 de Março que as “portas do inferno” iriam abrir-se em Gaza se os reféns não fossem libertados. Não foram. O Inferno, aliás, já estava, há muito, de portas escancaradas.
Talvez cessar-fogo
Por estes dias, Donald Trump tem anunciado para breve um novo acordo de cessar-fogo. Dia 7, segunda-feira, Netanyahu vai à Casa Branca e os analistas apontam para esse dia o anúncio que pode levar acalmia à terra mártir de Gaza. O presidente norte-americano diz que há um acordo de cessar-fogo que Israel aceita, como se alguém acreditasse que essa proposta de acordo tivesse sido desenhada sem que Israel tivesse dito o que quer, e como quer. O objectivo da narrativa está anunciado: colocar o ónus de um eventual desacordo em cima do Hamas.
Os palestinianos, Hamas e todos os outros, desde há muito que aprenderam uma lição, reforçada com o “rasgar de acordo” que acima é referido: não podem confiar em ninguém, muito menos quando estão a lidar com os Estados Unidos e Israel. Qualquer assinatura palestiniana num texto que formalize um cessar-fogo, só pode ser feita quando tudo, mas mesmo tudo, até ao mais ínfimo pormenor, estiver bem definido, “preto-no-branco”, sem deixar margem para a construção de argumentos que permitam tresler o que ficou acordado.
Impasse
O Hamas tem dito que está a estudar a proposta. Ninguém sabe qual será a resposta, mas as exigências maiores do Hamas continuam a ser as mesmas: um acordo que garanta o fim da guerra, a retirada das forças israelitas da Faixa de Gaza e a entrada de ajuda humanitária no território palestiniano. E estes são os pontos que Israel sempre recusou aceitar – apesar do tal acordo rasgado por Trump prever negociações já depois do cessar-fogo em vigor que permitiam admitir a resolução desses pontos.
Isto quer dizer que o Hamas só assinará um acordo com garantias sólidas de que ele será cumprido e não se sabe quem poderá dar essas garantias tendo em conta que os Estados Unidos não são um mediador confiável.
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, assume que mantém o objetivo de eliminar o Hamas e, mais uma vez, enfrenta o aviso da extrema-direita de que se aceitar um cessar-fogo, o governo cai.
O ministro Ben Gvir apelou há poucos dias a “derrubar o Hamas, ocupar a Faixa de Gaza, encorajar a deslocação de palestinianos do território”.
Netanyahu, a contas com a justiça israelita e com uma ressaca da guerra com o Irão em que o território de Israel foi fustigado e atingido como nunca, está cada vez mais pressionado, até por militares que querem acabar com a guerra. Junho foi o mês em que morreram mais militares israelitas em Gaza.
Falta saber como vai ser visto em Israel: herói ou vilão?
Pinhal Novo, 4 de Julho de 2025
20h00
jmr
