Palestina: de que fala Luís Montenegro?

Bem sei que nos últimos dias a “questão palestiniana” foi secundarizada pela guerra Israel-Irão, mas agora que Donald Trump decretou um cessar-fogo (vamos ver se é mesmo assim e se o presidente norte-americano não vai mudar de ideias…), podemos voltar a falar da carnificina que Israel continua a fazer na Faixa de Gaza (utilizando a ajuda alimentar como armadilha) e da Palestina. O facto que merece registo ocorreu há alguns dias, no Parlamento, mas precisamente devido à guerra Israel-Irão talvez tenha passado despercebido ou então foi porque quem acompanha a vida parlamentar não está muito por dentro da “questão palestiniana” e não valorizou o que foi dito. De facto, foi perturbador ouvir os argumentos de Luís Montenegro, na última quarta-feira (18 de Junho), quanto a um eventual reconhecimento do Estado da Palestina.

Respondendo a perguntas do deputado do PS, João Torres, Luís Montenegro explicou qual tem sido o posicionamento do governo português desde que chegou a primeiro-ministro e elencou depois as condições relevantes que considera indispensáveis e que “é preciso salvaguardar” para que o governo português possa reconhecer o Estado da Palestina, ainda assim sempre concertado e integrado numa estratégia mais abrangente, e que dê “a garantia de um efeito útil”. E foi quando aqui chegou que Luís Montenegro (LM) provocou inquietação.

(A seguir, as condições expressas por LM estão entre aspas)

1ª condição de LM

“É preciso salvaguardar que a Autoridade Palestiniana, efectivamente, abre e garante a oportunidade de proceder a uma libertação segura dos reféns que tem na sua posse… (Paulo Rangel, sentado ao lado do PM, disse baixinho: “na posse do Hamas”, e Luís Montenegro corrigiu…) do Hamas, exactamente”.

Autoridade Palestiniana (AP) e Hamas estão de costas voltadas desde 2007. Apesar de muitas promessas e acordos, nunca se entenderam, o que levou à divisão dos palestinianos, com a AP a governar a Cisjordânia, e o Hamas a governar Gaza. Como é que LM pode querer que a AP influencie a libertação de reféns na posse do Hamas, num território onde não tem poder nem influência?

2ª condição de LM

“Que haja, e para isso também as nossas diligências de capacitação, reformas internas por parte da Autoridade Palestiniana, com vista a poder perspectivar-se no médio prazo a realização de eleições presidenciais e eleições legislativas”.

A que reformas concretas se refere LM? Sabe o PM que Mahmood Abbas é presidente da AP desde 2005 e que uma sondagem do Centro de Investigação palestiniano, em Maio de 2025, revela que 60% dos inquiridos disseram que não acreditam nas reformas há muito prometidas e que 81% quer a renúncia de Mahmood Abbas? Sabe LM que a AP é vista como corrupta e colaboracionista?

Sabe LM que Israel não permite a criação de condições para eleições palestinianas em Jerusalém Oriental e que se a AP fizesse eleições sem incluir desse território isso significaria o reconhecimento da soberania israelita na parte palestiniana de Jerusalém? Sabe LM que se houvesse eleições presidenciais, Mahmood Abbas apenas receberia 6% dos votos, e que Marwan Barghouti (ex-Fatah, preso desde 2002) é o preferido com 41% dos votos e que 36% dos palestinianos não pensam votar? Sabe LM que é praticamente impossível fazer eleições nos territórios palestinianos devido à guerra na Faixa de Gaza e à quase guerra na Cisjordânia?

3ª condição de LM

“Haver a desmilitarização do Estado e cabendo naturalmente neste contexto a sua segurança externa a missões de protecção internacional”. Desde logo, de que Estado fala LM? É que, por agora, não há Estado da Palestina e muito menos forças militares como as conhecemos, por exemplo, em Portugal. Existem forças de segurança palestinianas na Cisjordânia, existe a Guarda Presidencial e forças de outros serviços, mas todas elas mal equipadas e com armamento ligeiro. LM está a propor o quê? Uma missão da ONU que garanta a segurança das fronteiras de um futuro Estado palestiniano? Israel aceitará?

4ª condição de LM

“O desarmamento do Hamas ou de qualquer outro movimento ou força de cariz político que tenha o mesmo enquadramento”. É precisamente o que Israel exige. LM deve saber que há quase 80 anos que os palestinianos sofrem a repressão de Israel e desde 1967 vivem numa ocupação militar que os humilha, que lhes estraga a vida e que os mata. LM deve saber que, na Cisjordânia, os palestinianos estão constantemente a ser atacados por colonos, que lhes queimam as casas, as colheitas e os carros, e que têm a cobertura do exército israelita. O desarmamento é sempre uma boa exigência, mas pedir isso ao povo que está ocupado sem uma palavra contra as acções da potência ocupante, não parece aceitável.

5ª condição de LM

“O reconhecimento do Estado de Israel por parte da Autoridade Palestiniana”. Há aqui um equívoco. O Estado de Israel foi reconhecido pela Organização de Libertação da Palestina (OLP) em 1993, através dos Acordos de Oslo e é precisamente devido a esse reconhecimento que surge a Autoridade Palestiniana. Há portanto um reconhecimento prévio à formação da AP, que foi aceite por Israel. Em troca, Israel reconheceu a OLP como a verdadeira interlocutora e representante dos palestinianos, mas não reconheceu um Estado da Palestina. É a Israel que esse pedido de reconhecimento deve ser feito. Aliás, uma das fortes críticas feitas por muitos palestinianos a Yasser Arafat foi precisamente ter assinado um acordo que não incluía um Estado para os palestinianos.

Foram estas as cinco condições expressas por Luís Montenegro. Esta intervenção no parlamento revelou que primeiro-ministro não domina o assunto e provavelmente não teve quem o informasse ou aconselhasse num tema que merece – como todos – ser abordado com o devido conhecimento.

Nem uma palavra sobre os milhares de prisioneiros – presos políticos – palestinianos.

Mais de 140 dos 193 países da ONU já reconhecem o Estado da Palestina, Portugal ainda não. E não tem pressa.

É certo que cada um de nós tem assuntos e temas preferidos e outros dos quais pouco ou nada sabe, mas a um PM, que se dispõe a falar no parlamento, exige-se mais qualquer coisinha, ou então quem lhe faça o trabalho de casa. Se assim não for, arrisca-se a passar vergonhas, como é o caso.

Será avisado rever a argumentação no caso de falar sobre esta matéria durante o próximo Conselho Europeu ou na Cimeira da NATO.

Pinhal Novo, 24 de Junho de 2025

01h45

jmr

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