
É recorrente a análise de que o Médio Oriente está mais perigoso do que nunca. Para não irmos mais longe, no último século tem sido assim e, de cada vez que tal acontece, nunca sabemos até onde a guerra nos poderá levar.
Não fugindo à regra em todo o Médio Oriente, para percebermos “a questão do Irão”, a História é um elemento importante. Foi no Irão que a CIA teve a primeira grande operação de “mudança de regime” (Operação Ajax), arrastada por Churchill. Da produção de tabaco à extração de petróleo, os britânicos controlavam tudo e não admitiam que esse estatuto pudesse ser alterado. Acontece que, se os britânicos eram vistos como inimigos, a elite nacionalista iraniana via os norte-americanos como aliados. Quando em 1951, o primeiro-ministro iraniano, Mohammed Mossadegh (acusado de ser comunista, quando era apenas um nacionalista), nacionalizou a Anglo Iranian Oil Comapny, cometeu uma afronta que os poderes ocidentais não lhe perdoaram. A CIA manobrou até que um golpe de Estado acabou com o governo de Mossadegh.
Referindo-se a esses tempos, a antiga secretária de estado norte-americana, Madeleine Albright, revelou o que terá sido a responsabilidade norte-americana assumida por Barack Obama: “Em 1953, os Estados Unidos desempenharam um papel significativo na orquestração do afastamento do poder do popular primeiro-ministro iraniano Mohammed Mossadegh” (…) “A administração de Eisenhower acreditava que as suas acções eram justificadas por motivos estratégicos. Contudo, o golpe constituiu claramente um revés no desenvolvimento político do Irão. Hoje em dia, é fácil compreender por que motivo tantos iranianos se continuam a ressentir desta intervenção por parte da América nos seus assuntos internos”.
Mossadegh caiu, foi instalada uma ditadura, e depois chegou a revolução em 1978-79, com a chamada crise dos reféns na embaixada norte-americana – que custou a Jimmy Carter a derrota na corrida para um segundo mandato na Casa Branca – e o regresso ao Irão do Ayatollah Khomeini com a instalação da república islâmica. Até hoje. Os Estados Unidos nunca perdoaram a forma humilhante como tiveram de sair do Irão. Os britânicos, igualmente.
Historiador norte-americano reconhecido, William Roger Louis, coordenador dos cinco volumes “The Oxford History of the British Empire”, escreveu a propósito do golpe de 1953 no Irão: “As nações, como os indivíduos, não podem ser manipuladas sem deixar na parte lesada a sensação de que as contas antigas terão mais cedo ou mais tarde de ser sanadas…”. O problema é que mesmo sanando algumas contas elas, por serem tão marcantes, são feridas que tardam a sarar.
Os Estados Unidos passaram a ser o grande satã e Israel, por razões óbvias, é visto da mesma forma. Podemos gostar ou não, mas é assim. E tal como a guerra entre israelitas e palestinianos não começou a 7 de Outubro, é um erro pensar que a guerra e a rivalidade entre Israel, Estados Unidos e o Irão começaram há três dias.
Os iranianos sabem muito bem como Estados Unidos e Reino Unido interferiram num assunto que era um assunto interno iraniano, por muito que Churchill quisesse ter um fornecedor de petróleo a preço de saldo e considerasse que tinha direitos adquiridos. Aliás, essa atitude muito (imperialista) britânica foi exactamente a mesma que alguns anos antes esteve na origem da Declaração Balfour, a tal que deu origem ao Estado de Israel, prometido pelo Reino Unido num território que não lhe pertencia.
Quanto aos Estados Unidos, é uma atitude com a mesma génese que permite o atrevimento de fomentar as chamadas “mudanças de regime”. Não é uma questão dos Republicanos ou dos Democratas, é mesmo a política externa norte-americana. Foi assim em muitos locais do mundo, mas no Médio Oriente basta recordarmo-nos do que aconteceu no Iraque em 2003, onde, mais uma vez, tal como no Irão da década de 50 do século passado, norte-americanos e britânicos, de mão dada e dedo no gatilho, invadiram um país soberano com argumentos falsos, mudaram o regime, e até hoje ninguém foi condenado por esse crime.
Por tudo o que fica dito, e porque o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, decidiu jogar a cartada da “mudança de regime”, dizendo que o regime iraniano está fraco e incentivando os iranianos saírem à rua, alguém devia dizer a Netanyahu que muito dificilmente os iranianos vão cair nesse erro, porque eles sabem bem o que significou em 1953 a tal “mudança de regime” fabricada por norte-americanos e britânicos.
Pinhal Novo, 16 de Junho de 2025
00h30
jmr

Totalmente de acordo com o texto.
O meu repúdio pelos EUA , Israel e Reino Unido é completo e só é comparável à vergonha que sinto por pertencer à União Europeia.
Boa semana.
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Bom dia
Não esquecer a “participação” portuguesa nesse infame 2003, em relação ao Iraque.
O Presidente da altura, Jorge Sampaio, nunca teve a coragem de se redimir. Pelo contrário, arranjou desculpas de mau pagador. O que é típico do povo português, no geral.
Portugal não é um país “santinho”, amigo dos oprimidos e esse discurso patético de ser um povo acolhedor, já é obsoleto.
Acredito no karma, e Portugal tem um bem grande.
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Bom dia,
Como julgo que sabe, o Presidente Sampaio opôs-se à invasão e ao envio das tropas portuguesas para o Iraque. Essa divergência com o então primeiro-ministro Durão Barroso levou Portugal a enviar a GNR para o Iraque, em Novembro de 2003.
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Boa tarde
Sr. Rosendo, estou a referir-me à célebre reunião nas Lajes, antes da invasão. Apesar de ter sido vista como algo sem importância, porque o programa da invasão já estava definido. O Sampaio disse que não sabia, não foi informado.E mentiu.
O que aconteceu depois já nem interessa para nada. O que interessa é que território de Portugal foi usado, para um acontecimento vergonhoso. E esse mesmo Presidente nunca admitiu que tivesse alguma “culpa”. Ele escondeu-se sempre atrás do que um Presidente pode ou não fazer numa situação destas. O único que, mesmo cinicamente, admitiu que errou, foi o Blair. Todos sabemos que Blair foi hipócrita, mas teve coragem de ser hipócrita. Sampaio nem para isso teve coragem.
Por isso digo e repito, Portugal não é um país inocente. Mesmo que não apoie certas situações abertamente, apoia na retaguarda, à sucapa. Se o Sr. Rosendo não concorda, está no seu direito. Afinal é para isso que existe democracia, certo? Para eventualmente trocarmos opiniões, e quiçá discordar e também chegarmos à conclusão que poderemos estar errados.
Desejo-lhe uma óptima semana.
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É isso mesmo: neste caso discordamos. Sampaio não foi informado em tempo útil para tomar uma decisão sem comprometer o Estado português perante os aliados de sempre. Foi praticamente confrontado com um gacto consumado.
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Parabéns pelo texto de forma bastante didática!
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