Israel, o sentimento de impunidade

Diplomatas de vários países junto a um portão de acesso ao campo de refugiados de Jenin, Cisjordânia ocupada, 21 de Maio de 2025. Foto: Watan News.

Não, não há surpresa nenhuma quanto à atitude do exército israelita relativamente ao grupo de diplomatas que visitavam Jenin, na Cisjordânia ocupada. Os tiros de aviso contra a delegação em que também estava o Embaixador português Frederico Nascimento (chefe da Missão Diplomática portuguesa em Ramallah) foram uma pequeníssima amostra do que o exército israelita é capaz de fazer. Só quem anda muito distraído pode abrir a boca de espanto e mostrar agora grande indignação. Quem não tem o dever e a obrigação de estar atento, até pode ter andado distraído, compreende-se, mas não é o caso dos diplomatas e das respectivas chancelarias, porque sabem muito bem o que Israel está a fazer, o que sempre fez e o que –dizem os próprios líderes israelitas – vai continuar a fazer. Israel faz o que quer, contra quem quer, seja diplomata ou outra coisa qualquer, jornalistas incluídos. Basta saber que em Gaza Israel já matou mais de 200 jornalistas e outros membros da comunicação social.

Em Jenin, junto a um dos muitos portões que Israel planta nos territórios palestinianos para dificultar a vida aos palestinianos, onde os diplomatas ouviram agora os tiros e não sei se ouviram o silvo das balas israelitas, foi onde Israel matou a jornalista da Al Jazera Shireen Abu Akleh, em Maio de 2022. A vida de um(a) jornalista não vale mais nem menos do que a de qualquer outra pessoa, mas o estatuto de neutralidade do jornalista, apesar de protegido por convenções internacionais, tem sido sistematicamente ignorado pelo governo israelita. Como foi agora ignorada a condição de diplomatas, também ela protegida por convenções internacionais.

Para além de tudo isso, a atitude intimidatória do exército israelita ocorreu num território ilegalmente ocupado. O exército israelita intimidou cerca de duas dezenas de diplomatas de vários países num território em relação ao qual o Direito Internacional não lhe reconhece competência e onde não deveria estar.

No que à Europa diz respeito, as reacções a este caso só podem ser entendidas como mais um acto de uma grande encenação. É uma situação que não pode ser desvalorizada, porque tem um peso simbólico forte, mas dificilmente atingirá outro patamar.  Os diplomatas são representantes dos Estados e quando se ataca um diplomata é o respectivo Estado que está a ser atacado, mas este ataque não passou de uns tiros de aviso. O que não deixa de ser curioso é que o som desses tiros israelitas, que assobiaram por cima da delegação diplomática que estava em Jenin, chegou rapidamente às capitais europeias. Nenhum outro som, até agora, incomodou de forma tão decisiva os dirigentes políticos europeus. Após 20 meses de estrondosos bombardeamentos aéreos na Faixa de Gaza; após 20 meses de descargas de artilharia contra Gaza; após 20 meses de incursões militares terrestres em Gaza; após 20 meses de cargas de dinamite colocadas em muitas infraestruturas de Gaza: após 20 meses de destruição de hospitais, escolas, universidades, mesquitas e sítios arqueológicos; após dois meses e meio sem entrada de ajuda humanitária em Gaza com a ONU a alertar para a possibilidade de morte de 14 mil bebés; após milhares de imagens a mostrarem um sofrimento atroz; após tudo isso e muito mais que até já se torna cansativo repetir, os governos europeus (há excepções, mas são poucas e não incluem Portugal) apenas têm emitido declarações inconsequentes de grande indignação. E por aí se ficam, sendo até frequente ver líderes europeus, em Telavive, como se nada se estivesse a passar.

Israel considera o secretário-geral da ONU como “persona non grata” e proíbe António Guterres de entrar em Israel, mas para os líderes europeus – para além das tais declarações de indignação – nada se passa; o TPI emite mandados de captura internacional para destacados responsáveis israelitas, mas para os dirigentes europeus nada se passa. Não há uma sanção nem qualquer medida concreta que mostre uma pequena intenção de quem quer travar o massacre em Gaza. Nada! E já lá vão vinte meses. Nem sequer podem dizer que não tiveram tempo.

Mas desta vez, muito mais importante do que quase 24 000 mortos e mais de 120 000 feridos em Gaza; muito mais importante do que ver Israel utilizar a fome como arma de guerra; muito mais importante do que os incitamentos ao ódio e à morte de palestinianos, proferidos por ministros israelitas… muito mais importante do que tudo isso, é um grupo de diplomatas assustados com uns tiros disparados em sua direcção  – acto evidentemente condenável – com a intenção de lhes travar o passo. Mas por isso já vale a pena: chamam-se os embaixadores israelitas nas respectivas capitais para darem explicações sobre o sucedido. A hipocrisia em todo o seu esplendor.

Convém acrescentar que o exército israelita emitiu um comunicado em que descreve a situação, não havendo sequer um expectável pedido de desculpa, lamentando apenas “o incómodo causado”, enquanto a chefe da diplomacia da União Europeia, Kaja Kallas, exigiu a Israel uma investigação sobre o que aconteceu. Como se fosse possível esperar uma investigação independente feita por Israel.

Algumas horas depois do que aconteceu em Jenin, o primeiro-ministro israelita deu uma conferência de imprensa. Não sei se foi questionado, mas no comunicado enviado pelo gabinete de Benjamin Netanyahu à imprensa nem uma palavra sobre o que aconteceu em Jenin. Uma manifestação de desprezo que deveria envergonhar os líderes políticos europeus.

Pinhal Novo, 22 de Maio de 2025

01h40

jmr

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