Donald Trump, o príncipe e o “terrorista”

Donald Trump, Mohammed Bin Salman e Ahmed Al Sharaa, em Riade. Foto: SANA

No dia em que Israel matou mais 80 palestinianos em Gaza e o sangue dos palestinianos continuou a tingir o Mediterrâneo de vermelho, as atenções estiveram centradas nos salões opulentos da Arábia Saudita. Foi por aí que começou a primeiro périplo de Donald Trump neste segundo mandato enquanto presidente dos Estados Unidos. A agenda é claramente a de uma viagem de negócios. Antes de entrar no avião já se sabia que Trump quer voltar a casa com contratos chorudos. São tantos zeros que é difícil imaginar o que verdadeiramente significam. Para já, a Boeing consegue uma encomenda record: o Qatar paga 200 mil milhões de dólares por 160 aviões da Boeing. Em paralelo, o Qatar diz que quer oferecer um luxuoso avião a Donald Trump, para substituir temporariamente o “Air Force One” mas também para ser utilizado depois do mandato. O “palácio voador”, assim se chama o “pássaro”, vale 400 milhões de dólares e o presidente norte-americano diz que não se importa de aceitar um “presente temporário”. Obviamente que se trata apenas de uma coincidência, mas as críticas em Washington já se fizeram ouvir. No Congresso, os Republicanos dizem que o “presente” vem de um país que apoia o movimento palestiniano Hamas; os Democratas consideram que é corrupção; os dois partidos dizem que é uma questão de segurança nacional. Trump segue em frente.

Legitimação do novo poder sírio

Em Riade, o facto mais marcante terá sido a reaproximação dos Estados Unidos à Síria. Logo em Dezembro de 2024, poucos dias após a queda de Bashar Al Assad, os Estados Unidos retiraram a recompensa que ofereciam pela captura do agora presidente interino da Síria, Ahmed al Sharaa; agora, Donald Trump anunciou a retirada de todas as sanções norte-americanas impostas em 1979 e reforçadas em 2011. Trump justificou a decisão para que a Síria possa recuperar e voltar a ser grande.

O encontro de Riade entre Trump e Al Sharaa, contou também com o anfitrião, príncipe herdeiro Mohammed Bin Salman e, segundo a agência turca de notícias, com Erdogan (por vídeo conferência).

Esta decisão significa o reconhecimento do novo poder sírio por parte dos Estados Unidos, uma decisão que não deve agradar a Israel, uma vez que Telavive considera que os novos senhores de Damasco fazem parte de grupos terroristas e por isso mesmo tem atacado violentamente vários alvos militares em território sírio.

Israel fora da agenda

Donald Trump faz esta primeira visita de Estado ao Médio Oriente sem incluir na agenda aquele que é o maior aliado: Israel. Provavelmente um sinal de que nem tudo vai bem entre Trump e Benjamin Netanyahu. Trump disse Israel não foi posto de lado e que esta visita também é importante para Israel porque uma boa relação dos Estados Unidos com os países árabes também é benéfica e positiva para Israel. O presidente norte-americano até chegou a dizer que a Síria poderá vir a aderir aos Acordos de Abraão e normalizar relações com Israel, mas a leitura mais imediata sobre a visita de Trump não ter escala em Telavive é que Trump não quis estar em Israel num momento em que há demasiado sangue palestiniano a escorrer na Faixa de Gaza e depois de Benjamin Netanyahu ter ameaçado intensificar os ataques e “entrar em Gaza com toda força”. Por outro lado, Trump lembrou que a maioria dos reféns israelitas libertados até agora, só saíram de Gaza graças a negociações, o que contraria a tese de Netanyahu de que isso tenha acontecido devido à pressão militar sobre o Hamas. Já se sabe que a administração norte-americana tem negociado directamente com o Hamas e foi isso que permitiu o Hamas libertar, a 12 de Maio, sem qualquer contrapartida, um refém que também tem nacionalidade norte-americana.

Num momento em que o governo de Israel está a perceber que até os aliados mais próximos já não suportam as imagens que chegam da Faixa de Gaza e começam a subir o tom das críticas, a ausência de Donald Trump em Israel durante esta visita à região, não pode deixar de ser lida em Telavive com alguma preocupação. A retórica israelita de ver terroristas em todos os palestinianos de Gaza e de acusar de antissemitismo todos os que se atrevem a denunciar os crimes que estão a ser cometidos, é uma estratégia de tal modo banalizada que já não produz qualquer efeito.

Donald Trum cumprimenta Ahmed Al Sharaa perante o olhar de Mohammed Bin Salman. Citado pela AFP Trump referiu-se a Al Sharaa como “um homem jovem e atraente. Um tipo duro”. Foto: SANA

Fotografia

Do primeiro dia de visita de Donald Trump ficam também as imagens para memória futura. Entre elas, aquela em que podemos ver o presidente norte-americano (que emitiu um perdão aos que invadiram o capitólio na sequência da derrota eleitoral de Trump e que foi condenado por pagamentos ilegais para comprar o silêncio da atriz de filmes pornográficos Stormy Daniels), Mohammed Bin Salman (a CIA concluiu que Mohammed bin Salman ordenou o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi. Bin Salman negou ter ordenado o assassinato, mas aceitou a responsabilidade porque ocorreu em instalações do reino Saudita) e Ahmed Al Sharaa (antigo líder da Front Al Nusra, braço da Al Qaeda na Síria). São estes os três homens que estiveram em Riade a tomar decisões. Cada um deles terá argumentos para justificar os actos de que são acusados. Ortega Y Gasset deixou-nos a expressão filosófica “Eu sou eu e minha circunstância”, a parte mais conhecida da frase “Eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo a ela, não me salvo a mim”. É esta a nossa circunstância.

Pinhal Novo, 15 de Maio de 2025

01h30

jmr

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