
Finalmente, embora ainda a colocar almofadas nas palavras, o governo de Israel diz que vai conquistar e ocupar Gaza. Escrevo “finalmente” porque até agora isso ainda não tinha sido assumido de forma tão clara. O ministro de extrema-direita; Bezalel Smotrich, ministro das finanças, foi o que desde sempre verbalizou esse desejo, mas Netanyahu “escondeu-se” e escondeu o objetivo. Andou meses a evitar uma resposta sobre o futuro de Gaza pós-guerra. Deixou a extrema-direita abrir o caminho para que a concretização da ocupação de Gaza fosse sendo normalizada. Se nos recordarmos dos objetivos inicias que foram declarados após o 7 de Outubro de 2023, a ocupação de Gaza não constava.
Agora, é o próprio primeiro-ministro israelita que faz o aviso: “A nova ofensiva militar em Gaza vai ser intensa!”, o exército vai permanecer nas zonas que vai atacar e a população vai ser deslocada “para sua própria protecção”. 20 anos depois de Ariel Sharon ter determinado unilateralmente a retirada dos colonatos da Faixa de Gaza, Israel regressa em força para subjugar os palestinianos. Obviamente, não vem aí nada de bom.
Plano aprovado
Na sexta-feira, o exército apresentou o plano para uma nova ofensiva em Gaza e que, de acordo com o Times of Israel requer uma mobilização substancial de tropas. No sábado, o exército anunciou que estava já a chamar dezenas de milhares de reservistas.
O porta-voz do exército, general Effi Defrin, anunciou que “a operação inclui um ataque de grande envergadura e a deslocação da maioria da população da Faixa de Gaza”. A população vai ser deslocada para sul e dois milhões de pessoas vão ficar acantonadas. A Faixa de Gaza ficará dividida em cinco zonas, cortadas por corredores que atravessam o território da fronteira com Israel até ao mediterrâneo.

Para já seguem os preparativos e muitos analistas dizem que há ainda uma janela de oportunidade para as negociações, janela que será fechada após a visita de Donald Trump ao Médio Oriente, de 13 a 16 de Maio. Do que se sabe da primeira visita oficial ao estrangeiro, Trump vai à Arábia Saudita e a países do Golfo, e não há planos para ir a Israel. Mas isso até pode mudar se houver acordo Israel-Hamas. Se não houver acordo Trump não vai querer ficar associado ao que de terrível se prevê na Faixa de Gaza.
Quanto à possibilidade de acordo, as condições do Hamas são claras: todos os reféns serão libertados se Israel se comprometer a acabar com a guerra e a retirar o exército da Faixa de Gaza. Condições que Israel não aceita. Convenhamos que este parece ser um beco sem saída porque não parece crível que o Hamas aceite libertar os reféns ficando sujeito a que Israel retome a guerra depois de os reféns atravessarem a fronteira. Não havendo acordo há outro aspecto muito claro: a vida dos reféns fica em grande risco e, no caso de não sobreviverem, é um fardo que o governo vai ter de carregar faltando saber como é que a sociedade israelita irá lidar com isso e como irá ou não responsabilizar Netanyahu.
Gaza, 19 meses de tortura
Logo após o ataque do Hamas a 7 de Outubro de 2023, o ministro da defesa de Israel, Yoav Gallant declarou um “cerco total a Gaza”: “Não há eletricidade, não há água, não há gás”. Israel cumpriu, estendendo a lista de cortes a tudo o que é essencial à sobrevivência humana. O primeiro-ministro definiu então os objetivos da guerra: derrota militar do Hamas e impedir que o movimento palestiniano ficasse em condições de voltar a governar Gaza, e libertar os reféns israelitas. Eram objetivos em paralelo, mas já não são. A vida dos reféns deixou de ser, agora, assumidamente, o mais importante.
Foi outra vez Bezalel Smotrich a marcar o compasso da guerra: “Temos de dizer a verdade. O regresso dos reféns não é o mais importante”. Dizendo o mesmo mas de forma diferente, Netanyahu avisou que a guerra não irá terminar enquanto o Hamas governar Gaza e acusou os que em Israel querem o fim da guerra para reaver os reféns de fazerem eco da propaganda do Hamas “palavra por palavra”. Disse também que o regresso dos reféns é importante mas mais importante é vencer a guerra.

Estão assim lançados os dados em relação ao futuro de mais de dois milhões de pessoas, sucessivamente varridas de um lado para outro, supostamente para zonas seguras que acabam bombardeadas, em locais onde só há tendas e fome.
Smotrich e Ben Gvir
É bom que se saiba que Smotrich é um colono e o homem que adoptou a teoria da antiga primeira-ministra de Israel, Golda Meir, segundo a qual “não existe essa coisa de povo palestiniano”; Smotrich é o homem que disse que “há dois milhões de nazis na Judeia e Samaria (Cisjordânia) que nos odeiam tanto como os nazis do Hamas-ISIS em Gaza”; Smotrich é o homem que disse que não pode haver “meias medidas. Rafah, Deir al-Balah, Nuseirat (locais de Gaza) – aniquilação total (…) Não há lugar para eles debaixo do céu”.

Na companhia de Bezalel Smotrich está Ben Gvir, ministro da segurança interna, que abandonou o governo quando houve cessar-fogo e que regressou depois de retomada a guerra. Ben Gvir é um extremista que se iniciou numa organização (Kach and Kahane Chai) que foi considerada terrorista e ilegalizada em Israel em 1988. Bem Gvir foi isentado de cumprir serviço militar porque o exército considerou que tinha uma formação política de extrema-direita; em 2007 foi condenado por incitamento ao racismo e apoio de organização terrorista; pouco antes do antigo primeiro-ministro israelita, Yitzhak Rabin, ter sido assassinado, Ben Gvir ameaçou-o na televisão.

Smotrich e Ben Gvir (não são os únicos…), é deste tipo de gente que estamos a falar e são eles que ditam o que o governo israelita vai fazer em Gaza. Tal como ditam o que vai acontecer na Cisjordânia, porque também aí a política vai ser a mesma logo que a guerra de Gaza esteja arrumada. Netanyahu treme só de pensar que eles podem tirar-lhe o apoio e provocar a queda do governo.
O mundo não pode dizer que não sabe
E é a isto que o mundo assiste, calado e conivente, mesmo que vá dizendo algumas coisas que aliviam a consciência e tentam lavar a imagem. Josep Borrel, em Agosto de 2024, disse que a União Europeia devia considerar sancionar dois ministros israelitas. Referia-se a Smotrich e Ben Gvir. Borrel disse isto a cerca de três meses de deixar o cargo de Alto Representante da UE para a política externa. Nada aconteceu. Aliás, é curioso verificar que alguns só ousam criticar Israel quando o respectivo mandato está a chegar ao fim. Recordemo-nos, por exemplo, da única vez que os Estados Unidos permitiram (com uma abstenção) que o Conselho de Segurança da ONU aprovasse a resolução 2334 em que condenava os colonatos israelitas na Cisjordânia. Uma única abstenção após oito anos a votar em defesa de Israel e contra todas as resoluções que beliscassem o Estado judaico.
Pinhal Novo, 06 de Maio de 2025
02h40
