O futuro de Gaza

Se o Plano da Liga árabe se concretizar, a Faixa de Gaza volta a ter um aeroporto. Já teve, na sequência dos Acordos de Oslo, mas foi destruído durante a Segunda Intifada. Depois da morte de Yasser Arafat, em 2004, e mesmo sem funcionar, o aeroporto foi renomeado Aeroporto Internacional Yasser Arafat. Foto: jmr/arquivo Dezembro de 2006.

O mais fácil está feito: a Liga Árabe aprovou um Plano alternativo para a reconstrução e governação da Faixa de Gaza, respondendo ao desafio lançado pelo vice-presidente norte-americano, J. D. Vance, após Donald Trump ter tido a infeliz ideia de querer transformar a Faixa de Gaza na Riviera do Médio Oriente, procedendo simultaneamente a uma limpeza étnica, enviando os palestinianos sabe-se lá para onde.

Mas, se o documento existe com dados concretos e detalhados, o mais difícil é levar o governo israelita a aceitá-lo. Não será difícil a Benjamin Netanyahu, ler o documento (se chegar a esse ponto…) amarrotar o papel e apontá-lo a um cesto de papéis. Aliás, se o não fizer, muito provavelmente terá os dias contados enquanto primeiro-ministro. Dos ministros mais extremistas do governo israelita, Ben Gvir já se demitiu e Bezalel Smotrich ameaça fazer o mesmo se o acordo de cessar-fogo entrar na segunda fase (os 42 dias em que deverá haver a libertação da totalidade dos reféns israelitas por troca com prisioneiros palestinianos e em que o exército israelita retirará totalmente da Faixa de Gaza – tudo isto está por negociar).

O governo israelita está no ponto em que terá de fazer cedências se quiser, de facto, acabar com a guerra e ter os reféns de volta. O problema é que os objetivos anunciados para esta guerra não foram atingidos: após 15 meses de intensos bombardeamentos em Gaza, o Hamas, embora fortemente enfraquecido, não foi aniquilado. Aqui chegados, Israel terá de redefinir prioridades: acabar com a guerra e ter os reféns de volta, ou retomar os combates e destruir o que ainda falta destruir em Gaza, arriscando a vida dos 24 reféns que estão vivos.

O Plano Árabe

Desta vez, aparentemente sem cedências, os países árabes dão nota de alguma firmeza: os palestinianos não saem de Gaza! É a resposta dos 22 países árabes ao sonho de Donald Trump que funcionou como uma espécie de paraíso prometido a Benjamin Netanyahu.

Para além da reconstrução, nas grandes linhas gerais, o Plano prevê a criação de um comité de gestão do território, formado por personalidades independentes, que estará em funções durante seis meses, preparando o regresso da Autoridade Palestiniana a Gaza; no prazo de um ano terá de haver eleições nos territórios palestinianos; Egipto e Jordânia vão formar as forças de segurança palestiniana; o Plano admite a possibilidade de uma força internacional de manutenção de paz, em Gaza e na Cisjordânia, que terá de merecer a aprovação do Conselho de Segurança da ONU; os países reconhecem o desafio colocado pela existência de grupos armados na Faixa de Gaza, mas acreditam que o problema pode ser resolvido através de um processo político fiável que restaure os direitos dos palestinianos e forneça uma perspectiva de futuro.

Os palestinianos sabem bem o que é a destruição provocada pela guerra. E sempre reconstruiram o que a guerra tem destruído. Na fotografia, o dono de uma oficina em Zeitun observa o que resta depois de um ataque israelita. Foto: jmr/arquivo Janeiro de 2009

E será com os palestinianos na Faixa de Gaza que a Liga Árabe propõe reconstruir os 360 quilómetros quadrados que Israel quase passou à peneira durante 15 meses de bombardeamentos e ocupação militar.

O plano da Liga Árabe, que precisa de 53,3 mil milhões de dólares, aponta caminhos concretos e bem definidos em três etapas:

1ª Etapa – seis meses dedicados a retirada de escombros, desminagem e recolha de munições que não explodiram, construção de alojamentos temporários em sete locais do território.

2ª Etapa – até 2027, reconstrução de infraestruturas essenciais, construção de 200 000 habitações, recuperação de terras agrícolas.

3ª etapa – até 2030, construção de zonas industriais, construção de um porto comercial e de um porto de pesca, construção de um aeroporto.

Entre os líderes árabes na Cimeira Extraordinária do Cairo, estiveram outros líderes políticos e dirigentes internacionais, como foi o caso de António Costa e António Guterres, que manifestaram o total apoio da União Europeia e das Nações Unidas ao Plano da Liga Árabe, reiterando a oposição a qualquer tentativa de deportação de palestinianos. António Guterres, secretário-geral da ONU, também foi muito claro quanto à entrada de ajuda humanitária (que Israel suspendeu no domingo, 2 de Março), dizendo que é inegociável e tem de continuar. Guterres deixou ainda uma outra mensagem: a libertação de reféns e prisioneiros tem de ser feita com dignidade. Este aspecto é importante porque é muito referida habitualmente a forma como o Hamas liberta os reféns israelitas (que Israel considera indigna), mas quase não se fala da humilhação infligida por Israel aos prisioneiros palestinianos no momento da libertação, forçando-os a vestir camisolas com inscrições ofensivas e com símbolos israelitas.

Perante o plano que saiu desta Cimeira da Liga Árabe falta saber o que vai dizer o governo de Benjamin Netanyahu. Mas não pode dizer que não há Plano.

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