Ter uma casa em Gaza

Refugiados na Faixa de Gaza em Novembro de 1956 (em cima) e em Janeiro de 2024. Foto: Pridan Moshe/GPO (em cima) e Atia Mohammed/Flash90.

Voltar a casa, é sempre voltar a casa. Mesmo que essa casa já não exista ou que dela apenas restem escombros. Pode não haver uma casa, mas há familiares e vizinhos, as memórias dos que morreram na guerra, há um céu, um chão, um cheiro, um sítio. Com o avançar do acordo de cessar-fogo, é a tudo isto que, mesmo sem casa, os palestinianos de Gaza querem regressar.

As imagens dos últimos dias mostram-nos um misto de tristeza e dor, e simultaneamente de alegria. Os palestinianos deslocados à força dentro da Faixa de Gaza para as zonas ditas seguras, que acabaram, também elas, por ser atacadas, correram para a região a norte do chamado “corredor Netzarim”, onde está a cidade de Gaza e as cidades/campos de refugiados de Jabalia, Beit Hanoun, Beit Lahia e Al Shati. Correram sem saber o que iam encontrar, mas alguns encontraram familiares e amigos que não sabiam vivos ou mortos. As imagens dos últimos dias mostraram-nos muitos milhares de pessoas na avenida AL Rashid, uma espécie de marginal junto ao Mediterrâneo. Fazem a viagem a pé, de carro, de moto, em carroças, alguns de muletas e/ou cadeira de rodas. Há velhos com dificuldades de mobilidade e crianças com pesados sacos às costas. Todos à procura do local que consideram deles e onde, quem sabe, haverá ainda duas paredes e um tecto, mesmo que sem água nem luz, que os possa abrigar e ajudar em mais um recomeço.

Voltar a casa é voltar ao nosso pequeno mundo que dá sentido à nossa vida. Mais ainda no caso dos palestinianos de Gaza cuja vida se restringe a escassos quilómetros quadrados de onde há muito tempo a esperança foi (quase) varrida. Resta, portanto, a casa, onde muitos nasceram e continuaram a viver, onde nasceram os filhos e os netos, onde ao longo dos anos e das sucessivas guerras se abrigaram dos ataques israelitas, até ao dia em que receberam ordem para sair. Nem todos saíram, mas os que saíram estão a regressar.

Ilan Pappé, historiador israelita, no livro “Israel vs Palestina, a mais breve história do conflito” (2025), sintetiza o que é a Faixa de Gaza: “Devemos começar em 1948. A maior parte das pessoas que vivem em Gaza são refugiados da limpeza étnica de 1948: primeira, segunda e, agora, terceira geração de refugiados. Israel criou a Faixa de Gaza como um curral para que pudesse fazer a limpeza étnica em outras partes da Palestina – não existia Faixa de Gaza antes de 1948. Gaza era uma cidade cosmopolita na Via Maris, entre o Egipto e a Turquia. Aquela faixa de terra, apenas 2% da Palestina histórica, tornou-se o maior campo de refugiados do Mundo”.

As imagens de palestinianos a voltarem a casa na Faixa de Gaza mostram-nos a vontade e a perseverança, o querer e a capacidade de resistência, a dignidade, e demonstram como a proposta que Donald Trump se atreveu a fazer, de enviar palestinianos para a Jordânia e para o Egipto, só pode ser entendida como um insulto.

One thought on “Ter uma casa em Gaza

  1. Acabei de ver em diversos meios repetidas imagens dos escombros e da destruição generalizada em Gaza, cuja notícia, em rodapé, dizia “600 mil palestinianos regressam a casa”. Como?! Que casa?! Obrigado JMR por informar.

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