Aos camaradas na Faixa de Gaza

Faixa de Gaza, foto: Mahmud HAMS AFP

Os pilares em que assenta a prática do jornalismo são sempre os mesmos, seja qual for a circunstância, mas existe uma aura à volta do chamado “jornalismo de guerra” que lhe dá – não sei como dizer isto sem parecer pedante ou excessivamente modesto – um protagonismo e uma espécie de “charme”. Ao contrário do que se possa pensar, os jornalistas em cenários de guerra protegem-se e medem cada passo. Obviamente que evitamos estar num local onde um bombardeamento está iminente ou onde os combates são altamente destruidores. Não existe o conceito de segurança total. Há momentos em que é preciso decidir se vamos ou não a determinado local, assumindo que se corre um risco. A decisão é simples: ou vamos, correndo o risco; ou não vamos e não podemos contar a história. Nestes momentos, cada um decide em consciência e todas as decisões são respeitáveis. Como sabemos, por muitas cautelas e planos que se façam para evitar situações perigosas, há momentos em que todos os cálculos falham e acabamos a enfrentar situações difíceis. Por vezes, situações limite. Mas, em regra, todos os dias conseguimos regressar ao hotel ou ao local onde dormimos, de onde conseguimos enviar as reportagens feitas durante o dia e onde podemos comer e tomar um banho, mesmo que seja de água fria e a “conta-gotas”. Temos também, no bolso, o bilhete que nos permite regressar a casa quando assim entendermos.

Esta introdução serve apenas para vos dizer que há quem não tenha nada disto. Nada! Imaginem a Faixa de Gaza e os jornalistas que lá trabalham desde 7 de Outubro de 2023. Eles não precisam de tomar as decisões de que vos falei porque eles não têm para onde escapar, não têm locais onde possam estar seguros, não precisam de fazer planos ou cálculos sobre como ir a locais mais arriscados porque, em Gaza, todos os locais são locais de morte. E eles estão a morrer. A Federação Internacional de Jornalistas disse no último dia do ano de 2024 que “desde o início da guerra na Faixa de Gaza, em 7 de outubro de 2023, o número de jornalistas palestinianos mortos subiu para 147, tornando a região uma das mais perigosas na história do jornalismo moderno”. Jornalistas e outros camaradas que trabalham lado-a-lado, dizimados por quem não tem escrúpulos nem qualquer respeito pela vida humana.

Ainda assim, continuam a trabalhar, diariamente, com risco de vida 24 horas por dia, sabe Deus em que condições. Continuam a trabalhar apesar de, também eles, perderem familiares e amigos e terem família a quem precisam de ajudar num contexto que, sabemos, é catastrófico. São eles a nossa única fonte de informação para conhecermos as atrocidades que estão a ser praticadas por Israel. Israel bloqueou o acesso dos jornalistas internacionais à Faixa de Gaza e quando acontece um bloqueio assim, sabemos bem qual é a intenção. Felizmente que temos os jornalistas palestinianos na Faixa de Gaza. Eles são os grandes, enormes, repórteres de guerra. Imaginam quanta coragem?

Aqueles que, como eu, vão apenas de vez em quando a zonas de conflito, têm de prestar tributo aos camaradas da Faixa de Gaza, por honrarem a profissão de forma tão corajosa, digna e dedicada, e com um preço tão elevado. É também uma forma de continuarem o trabalho daqueles que caíram exercendo este ofício, honrando a sua dedicação e esforço, passando o testemunho e fazendo com que essas mortes não tenham sido em vão.

Neste último dia de 2024 é para os jornalistas que continuam a trabalhar debaixo de fogo na Faixa de Gaza que vai o meu pensamento. São eles os meus heróis!

Camaradas, obrigado!

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