A sinistra manipulação da informação

Momento em que adeptos do Maccabi Telavive arrancavam uma bandeira da Palestina no centro de Amesterdão

O que se passou em Amesterdão foi muito simples: na véspera e nas horas que antecederam o jogo Ajax-Maccabi, em Amesterdão, adeptos do Maccabi Telavive arrancaram (pelo menos) uma bandeira palestiniana pendurada numa janela e entoaram cânticos racistas contra os árabes e contra os palestinianos de Gaza. Foi a polícia de Amesterdão que confirmou os actos dos adeptos do Maccabi Telavive que também destruíram um táxi. “Acabem com os árabes! Vamos ganhar!”, “Deixem o Tsahal (exército israelita) ganhar para acabar com os árabes”, “já não há escolas em Gaza porque já não há crianças”, slogans obviamente relacionados com as guerras em Gaza e no Líbano. No dia do jogo, os adeptos do clube israelita recusaram-se a respeitar um minuto de silêncio pelas vítimas da catástrofe de Valência. Foi isto que aconteceu e que, para além da confirmação da polícia holandesa (“arrancaram uma bandeira de uma fachada na Rokin Street e destruíram um táxi. Na Praça Dam, queimaram uma bandeira palestiniana”), está registado em vídeos difundidos nas redes sociais.

No dia seguinte, os que se sentiram provocados quiseram tirar desforra. Após o jogo entre o Ajax e o Maccabi Telavive, várias ruas de Amesterdão assistiram a perseguições e agressões aos adeptos do Maccabi. Cerca de 60 pessoas foram detidas e dez sofreram ferimentos ligeiros (nenhuma ficou hospitalizada). Não há notícia de que algum membro da claque do Maccabi Telavive tenha sido detido após o jogo ou na noite anterior, quando iniciaram as provocações.

Vitimização

Rapidamente, o governo de Benjamin Netanyahu cavalgou a onda da vitimização e do anti-semitismo. O primeiro-ministro israelita apressou-se a enviar aviões para retirar os adeptos do Maccabi da capital dos Países Baixos. Dizer que o que aconteceu em Amesterdão foi anti-semitismo, ignorando os actos provocatórios dos adeptos do Maccabi Telavive é, no mínimo, leviano, e é a exploração emocional de uma situação em que um grupo de vândalos – por acaso adeptos de um clube israelita – provocaram e criaram uma situação em que, sabiam, a violência acabaria por chegar. Quem fez as primeiras provocações, passou depois ao papel de vítima. É absolutamente sinistro manipular informação desta forma e devia haver pudor, até por respeito aos que, de facto, pagaram com a vida o anti-semitismo que varreu a Europa no século passado e que, sabemos, ainda existe.

Reacções

Nas reacções ao que aconteceu em Amesterdão, rapidamente ouvimos as vozes habitualmente alinhadas com Netanyahu. No que à Europa diz respeito, o ainda presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, condenou “veementemente os ataques absolutamente repreensíveis contra cidadãos israelitas”; a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ficou igualmente indignada como “os ataques vis contra cidadãos israelitas”; o primeiro-ministro holandês, Dick Schoof, denunciou os “ataques anti-semitas inaceitáveis contra israelitas” e estabeleceu contacto imediato com Netanyahu de quem ouviu a exigência para que “os autores dos actos (violentos) fossem procurados e processados” e ainda que as autoridades holandesas agissem “vigorosa e rapidamente”. Netanyahu, citado pela Agência France Press, chegou ao ponto de dizer que se tratava de um ataque anti-semita premeditado e o presidente de Israel disse que as agressões foram um “pogrom”, comparando ainda a situação com o ataque do Hamas a 7 de Outubro de 2023. O ministro delegado da Europa e dos Negócios Estrangeiros francês, Benjamin Haddad, referiu-se a “uma caça aos judeus em solo europeu”. Quanto a Portugal, o ministro dos negócios estrangeiros, Paulo Rangel, condenou “veementemente os actos de violência contra cidadãos israelitas”, acrescentando que “é crucial promover a tolerância e o respeito, combatendo o anti-semitismo e todas as formas de discriminação”.

Muitos repetiram as acusações que a propaganda israelita se apressou a difundir mas nem uma voz se levantou para lembrar que antes dos adeptos do Maccabi terem sido atacados foram esses adeptos que tiveram atitudes provocatórias e racistas. Aliás, as próprias notícias sobre este caso apenas surgiram após as agressões aos adeptos do Maccabi e só depois disso se começou a perceber o que tinha estado na origem dos incidentes. Isto é: os cânticos racistas dos adeptos do Maccabi, a bandeira arrancada e queimada, o táxi destruído… nada disso foi notícia, até que os provocadores foram agredidos.

Guterres

Mais uma vez, quem esteve bem (e a remar contra a maré…), foi o secretário-geral da ONU, António Guterres, ao manifestar-se “chocado” e condenando, em simultâneo, o “anti-semitismo e o fanatismo anti-muçulmano”. É que, se existiu anti-semitismo, antes disso houve manifestações anti-árabes e anti-palestinianos, mas isso não foi referido pelos responsáveis políticos europeus que se apressaram a acompanhar a estratégia de Netanyahu. Percebe-se que o governo de Israel não goste de Guterres, uma vez que ele não alinha em estratégias fáceis de vitimização, condena a violência que atinge israelitas, mas não ignora o sofrimento de árabes e muçulmanos.

Também nas redes sociais, houve quem tivesse contribuído para a desinformação, aproveitando apenas uma parte dos acontecimentos para arregimentar “likes” e simpatias. Houve mesmo quem falasse numa “carnificina” em Amesterdão, faltando saber, se 10 feridos ligeiros são uma carnificina o que será mais de 43 000 mortos em Gaza desde Outubro de 2023.

Nada do que fica dito pretende justificar ou desculpar a violência, mas apresentar a claque do Maccabi Telavive como vítimas inocentes e pretender ignorar o que os adeptos israelitas fizeram em Amesterdão, é distorcer por completo o que aconteceu.

PS: A quem chegou ao final deste texto peço um favor, se for o caso: não vale a pena atirar ao autor a pedra do anti-semitismo.

2 thoughts on “A sinistra manipulação da informação

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