Faixa de Gaza: a chacina continua

Palestinianos fogem e transportam um corpo após ataque israelita em Khan Younes. Foto EPA publicada por http://www.sheppnews.com

Nas últimas horas, um ataque israelita provocou 90 mortos (segundo os serviços de saúde da Faixa de Gaza) e cerca de 300 feridos, nos arredores de Khan Younes, numa zona classificada por Israel como “zona humanitária”, o campo de deslocados de Al-Mawasi; num outro ataque, no campo de refugiados Al-Shati (o “campo da praia”, onde residia o líder pol´tiico do Hamas, Ismail Haniya), a ocidente da cidade de Gaza, a defesa civil dá conta de 20 mortos.

No primeiro caso (Al-Mawasi), Israel justifica o ataque com a alegada presença de Mohammed Deif (comandante das Brigadas Ezzedine al-Qassam, do Hamas) e Rafa Salama (comandante do Hamas em Khan Younes), mas não garante que tenham morrido. Israel diz que atacou uma área fechada e controlada pelo Hamas onde não havia civis e acrescenta que a maioria das vítimas são “terroristas”; a defesa civil de Gaza diz que metade das vítimas são mulheres e crianças. O Hamas acusa Israel de fornecer uma justificação falsa com o objetivo de mascarar o massacre.

Raiva e ressentimento

Em Khan Younes, os jornalistas registaram que o Hospital Nasser disse que já esgotara a capacidade para receber feridos, mas as ambulâncias continuavam a chegar. A porta-voz da UNRWA, Louise Wateridge, visitou o hospital e disse ter visto “principalmente crianças feridas” e “cenas verdadeiramente horríveis”. Esta responsável da UNRWA testemunhou “muita raiva e ressentimento” entre os residentes “porque lhes disseram que era um lugar seguro”.

Na semana passada, quatro escolas que albergavam pessoas deslocadas foram atacadas em quatro dias. Os ataques mataram pelo menos 49 pessoas, segundo fontes da Faixa de Gaza. Mais uma vez Israel disse que tinha como alvo “terroristas”

O argumento é sempre o mesmo. Cada ataque que provoca dezenas de mortos e feridos na Faixa de Gaza é justificado com a necessidade de alvejar um “terrorista”. Atacam-se hospitais porque albergavam “terroristas”; atacam-se mesquitas porque albergavam “terroristas”; atacam-se escolas porque albergavam “terroristas”; atacam-se tendas de deslocados porque albergavam “terroristas”. Não importa que lá estejam civis nem importa que as vítimas “colaterais” sejam aos milhares. Vem-me à memória a frase feita e sempre muita referida como sinal de grandeza moral: salvar uma vida é salvar a humanidade. Nota-se.

Credibilidade

Esta conversa do “terrorismo” servir de justificação para tudo o que se quer fazer, já cansa. Os familiares dos reféns israelitas acusam o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de sabotar as negociações. Os rios de sangue que correm na Faixa de Gaza, os milhares de vidas inocentes de velhos, mulheres e crianças, ceifadas com a ajuda de bombas e tecnologias ocidentais, retiram credibilidade aos argumentos dos principais responsáveis israelitas. Após mais de nove meses de guerra, não há mais como disfarçar que se trata de vingança, pura e dura, surda a qualquer apelo de humanidade, imparável. Trata-se de uma guerra que deve ser mantida para preservar outros interesses que não o dos reféns ou do combate ao Hamas. Na Faixa de Gaza não há um único local seguro por mais que Israel dê ordens para que a população se desloque e garanta que, se as ordens forem cumpridas, as pessoas ficam em local seguro. Está visto que não ficam. Quando não cumprem as ordens, morrem porque não cumpriram as ordens; quando cumprem as ordens e pensam estar em local seguro, morrem porque estava por lá um “terrorista”. Philippe Lazzarini, comissário-geral da UNRWA, confirma: é falso que existam zonas “humanitárias” ou “zonas seguras”.

Estimativa final de mortos

A conceituada revista Lancet fez uma estimativa (5 de julho de 2024) do número de mortos que a guerra poderá causar tendo como base o número actualmente confirmado que ronda (va) os 37 400 mortos. Diz a Lancet que a estimativa é conservadora relativamente ao número total e final de mortos: pessoas que morrem durante os ataques israelitas mas também as que irão morrer, terminada a guerra, devido a ferimentos, falta de cuidados médicos, falta de alimentos e água, entre muitas outras causas. 186 000 mortos, se a guerra terminasse agora.

O que está em causa

Desde o início desta guerra, Israel afirma querer libertar os reféns e acabar com a capacidade militar do Hamas bem como evitar que o Movimento palestiniano possa continuar a governar a Faixa de Gaza. As negociações apenas permitiram uma curta trégua em Novembro de 2023, tendo sido libertados reféns israelitas e prisioneiros palestinianos. Muitos dos apelos ao cessar-fogo “imediato” incluem (e bem) um apelo à “libertação imediata” de todos os reféns, mas esquecem (mal) a mesma exigência em relação aos prisioneiros palestinianos. Todas as vidas são iguais e merecem o mesmo respeito. Olhando friamente para o que está em causa, dificilmente o Hamas aceitará um cessar-fogo que não inclua a libertação de um número substancial de prisioneiros (sem veto israelita em relação aos nomes dos prisioneiros que devem ser libertados) para além de garantias sólidas de que Israel não retoma os ataques a Gaza após a libertação dos reféns.

NOTA: Na Cisjordânia, o argumento é o mesmo: atacam-se aldeias, cidades e campos de refugiados porque albergam “terroristas”; os buldózeres destroem habitações, esventram as ruas e arrancam cabos de electricidade porque podem ser utilizados por “terroristas”; erguem-se postos de controlo por todo o lado porque há “terroristas” em redor; impede-se as equipas médicas de socorrer os feridos porque são “terroristas”…

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