Gaza: pode sempre ser pior

Mairoria das vítimas na Faixa de Gaza são mulheres e crianças. Foto via Eye on Palestine.

Ainda o secretário de estado norte-americano Anthony Blinken estava na região fazendo promessas de paz e já Benjamin Netanyahu rejeitava a contraproposta do Hamas (para acabar com a guerra) e dava ordem ao exército israelita para preparar a ofensiva em Rafah, a cidade palestiniana mais próxima da fronteira com o Egipto para onde Israel disse que os palestinianos deveriam ir de forma a fugirem às zonas que têm vindo a ser bombardeadas. Isto foi a 7 de Fevereiro. 48 Horas depois o Primeiro-ministro israelita ordenou ao exército para preparar um plano de evacuação dos civis que estão em Rafah (cerca de um milhão e trezentas mil pessoas) combinado com um plano de destruição do Hamas. Adivinha-se o que aí vem e surge a pergunta: para onde podem ir estas pessoas, já pressionadas/amontoadas na linha de fronteira com o Egipto?

Acresce que nos últimos dias Israel intensificou os bombardeamentos a Rafah, essa cidade que Israel prometeu ser um local seguro. A agência da ONU que coordena a assistência humanitária dá conta de 107 mortos e 142 feridos entre a tarde de dia 8 e a tarde de dia 9. Na perspectiva de uma catástrofe com consequências imprevisíveis, todas as campainhas de alarme estão a soar, mas é bom não esquecer que já as ouvimos há muito tempo e entretanto morreram quase 28 mil pessoas em Gaza.

Estados Unidos dizem “nim”

Nestas últimas horas foi evidente o sentimento e a “afirmação” de Israel de que pode fazer tudo o que muito bem entender sem que nada nem ninguém se atravesse no seu caminho. A prova disso é que a contraproposta do Hamas e a ordem para preparar uma ofensiva em Rafah surgiram com Anthony Blinken ainda de visita à região. Uma afronta (consentida?) ao maior aliado. Depois, o próprio Presidente dos Estados Unidos veio considerar “excessiva” a resposta israelita na Faixa de Gaza. John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, acrescentou que não conhece planos para uma grande ofensiva israelita em Rafah e que “(…) operações militares neste momento seriam um desastre para essas pessoas (em Rafah). Não é algo que seria apoiado por nós”. O problema dos Estados Unidos, que há quatro meses pedem que tudo seja feito para proteger a população civil de Gaza – temos visto o resultado desse pedido… – é que o apoio militar norte-americano a Israel está a ser despejado em Gaza e ingenuidade ou inocência é algo que não tem raízes em Washington. As palavras dos responsáveis norte-americanos servem apenas para lavar a consciência e tentar afastar a má imagem de um país cúmplice com a mortandade na Faixa de Gaza.

Alertas

António Guterres, secretário-geral da ONU, já disse que uma grande ofensiva em Rafah vai agravar “de forma exponencial o actual pesadelo humanitário”; Josep Borrell, chefe da diplomacia europeia, alerta para “consequências catastróficas, agravando uma situação humanitária já desastrosa e um balanço de vítimas civis insuportável”; a Autoridade Palestiniana fala do perigo da “aplicação do projecto político israelita para expulsar os palestinianos do seu território”; o responsável da UNRWA, Philippe Lazzarini, refere “um sentimento de pânico” em Rafah porque as pessoas “não sabem para onde poderão fugir” se houver uma ofensiva.

Quem nada fizer é cúmplice

Não são raras as situações de guerra em que um pico de violência antecede um cessar-fogo. Certamente que as negociações entre Israel e o Hamas continuam e apesar das ameaças israelitas a Rafah pode acontecer que surja uma decisão que evite juntar mais tragédia à grande tragédia em curso.

Até lá, seria bom que o Mundo assumisse alguma responsabilidade para além de alertas, palavras e declarações de preocupação. Se isso não for feito, um dia destes deixa de ser necessário pedir contenção a Israel porque nada restará em Gaza para bombardear e os palestinianos que sobreviverem ficam condenados à fome e à doença.

Seria bom que o Conselho de Segurança da ONU se pronunciasse rapidamente por um cessar-fogo e para travar essa previsível ofensiva em Rafah. Pode ser que desta vez o representante norte-americano tenha pudor (e ordens) para não levantar o braço a vetar uma resolução que proteja vidas palestinianas.

Se o exército israelita decidir atacar Rafah da mesma forma que atacou e arrasou outras áreas da Faixa de Gaza, não é difícil imaginar a dimensão da catástrofe. O Mundo não pode dizer que não foi avisado e que não sabe o que pode acontecer.

Se a chamada “comunidade internacional” não mostrar firmeza, agora, face à ameaça de Benjamin Netanyahu, será eternamente cúmplice do que possa acontecer em Rafah.