
Uma breve declaração (12.12.2023) de Benjamin Netanyahu, Primeiro-ministro de Israel, traduzida depois num comunicado com poucas linhas, diz tudo o que é preciso saber sobre o que os palestinianos podem esperar no pós-guerra de Gaza. A linha traçada é muito clara: Israel fica a controlar o território de Gaza, o Hamas é eliminado e a Fatah (leia-se Autoridade Palestiniana) impedida de entrar em Gaza. Ninguém pode acusar Benjamin Netanyahu de falta de transparência. Não é nada de novo no discurso do Primeiro-ministro israelita, mas desta vez é dito de forma sintética e não deixa margem para dúvidas ao dizer que também a Fatah está afastada da possibilidade de administrar Gaza.
A tradução official (do hebraico para inglês), é esta: “I would like to clarify my position: I will not allow Israel to repeat the mistake of Oslo. After the great sacrifice of our civilians and our soldiers, I will not allow the entry into Gaza of those who educate for terrorism, support terrorism and finance terrorism. Gaza will be neither Hamastan nor Fatahstan”.
Tradução inglês/português: “Gostaria de clarificar a minha posição: não permitirei que Israel repita o erro de Oslo. Depois do grande sacrifício dos nossos civis e dos nossos soldados, não permitirei a entrada em Gaza daqueles que educam para o terrorismo, apoiam o terrorismo e financiam o terrorismo. Gaza não será nem o Hamastão nem o Fatahstão”.
Descodificando o pouco que há para descodificar, se dúvidas houvesse, ficamos a saber que Benjamin Netanyahu não quer nem ouvir falar dos Acordos de Oslo e da solução dois Estados. Ficamos a aguardar a reacção dos países e dos líderes políticos que têm dito ao longo das últimas semanas que a solução para o conflito é precisamente a criação de um Estado palestiniano. Ficamos também a saber que a Autoridade Palestiniana, dominada pela Fatah, não irá administrar a Faixa de Gaza. A referência a não deixar entrar em Gaza “quem educa para o terrorismo, apoia o terrorismo e financia o terrorismo”, é uma referência clara à Autoridade Palestiniana.
Benjamin Netanyhau é muito claro ao dizer que Gaza não será uma Hamastão (referência ao Hamas) nem uma Fatahastão (referência à Fatah). Ficamos igualmente a aguardar a reacção dos que têm defendido que a Autoridade Palestiniana de Mahmood Abbas, revitalizada, deve administrar Gaza após a derrota do Hamas. Uma reacção que se espera particularmente de Washington e de Bruxelas. Netanyahu, sem assumir, está de facto a dizer que Gaza será anexada e ficará completamente controlada por Israel.
A cada passo, Benjamin Netanyahu ignora as soluções que os seus aliados propõem e defendem. É ele que marca o ritmo e a agenda, ninguém se atreve a dizer “não!”. É ele que vai dizer quando termina o massacre em Gaza, mesmo que feito em grande parte com munições fornecidas pelos Estados Unidos. Netanyahu sabe que se até agora ninguém lhe tolheu o passo, apesar das imagens horríveis que chegam da Faixa de Gaza, ninguém o fará. Benjamin Netanyahu e Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, assumem pequenas divergências, mas apenas isso.
Sabemos que em tempo de Guerra a retórica dos protagonistas é naturalmente agressiva. É assim que se justifica a guerra, é assim que se promove o nacionalismo para enfrentar o inimigo, é assim que se motivam as tropas, é assim que a paz perde espaço.
Os problemas de Netanyahu
Para além dos processos que enfrenta na justiça israelita, Benjamin Netanyahu só tem um verdadeiro problema quando a guerra terminar: os israelitas vão querer saber quem é responsável pelas falhas que permitiram o ataque do Hamas a 7 de Outubro. Enquanto Primeiro-ministro, Netanyahu não tem forma de fugir à responsabilidade política. Se teve ou não conhecimento antecipado do ataque é algo que, por agora, é impossível saber, sendo que são já conhecidos os alertas que antecederam o ataque do Hamas e que não terão sido levados a sério.
E há um outro problema para Netanyahu que depende da forma como a guerra terminar: os reféns israelitas ainda nas mãos dos movimentos palestinianos em Gaza e o Hamas já disse que nenhum dos reféns sairá vivo de Gaza sem uma troca e uma negociação, e sem que Israel responda às exigências da resistência. Esta ameaça do Hamas, feita nas últimas horas, é dramática, mas não é nada que o governo de Israel não tivesse já percebido que poderia acontecer e certamente terá respostas preparadas. Se Israel não dá nenhum sinal de que possa suspender a ofensiva militar e os palestinianos continuam a contar os mortos, não é de estranhar que também o Hamas endureça os argumentos e utilize uma questão hipersensível para a sociedade israelita.
Hamas resiste à pressão
A promessa feita desde o início, de que só a guerra e a pressão sobre o Hamas poderá levar à libertação dos reféns, demora a dar resultado. Recorde-se que o Hamas libertou as primeiras quatro reféns sem nada exigir em troca, eventualmente como manifestação de boa-vontade para a troca reféns/prisioneiros que se seguiu quando as armas estiveram caladas. Relativamente aos 138 reféns que se supõe estarem ainda na posse dos movimentos palestinianos, uma eventual troca por prisioneiros será uma negociação muito mais complicada e com exigências muito maiores da parte do Hamas.
Benjamin Netanyahu está assim perante um dilema e parece que sairá sempre a perder: mantém a guerra, “limpa” Gaza e mostra as cabeças dos líderes do Hamas como marca de uma vitória militar, arriscando-se a ter de mostrar também os cadáveres dos 138 reféns; ou interrompe a guerra, negoceia e liberta os reféns em troca dos prisioneiros palestinianos.
Para esta última possibilidade, o Hamas vai certamente querer impor outras condições que podem passar por um cessar-fogo permanente em Gaza e o fim das incursões militares e prisão de palestinianos na Cisjordânia. Dificilmente o Hamas chegará a um acordo para libertação de todos os reféns sem estas condições garantidas.
