A coragem das mulheres afegãs

Impedidas de frequentar o ensino oficial, muitas jovens afegãs não desistem do sonho. Aprendem o possível, na escola possível. Foto: jmr

Não há reportagem possível se não encontrarmos pessoas que aceitem falar connosco, partilhar histórias e responder a perguntas, abrindo por vezes a porta de casa. Foi assim, agora, durante duas semanas no Afeganistão. E também houve quem não quisesse falar ou quem dissesse que queria e depois recuou.

Num país ainda a curar as feridas de 20 anos de ocupação estrangeira – sim, tenho a convicção de que nenhum afegão gostou de ver o país controlado por estrangeiros – as pessoas, e em particular as mulheres, enfrentam enormes desafios.

O Emirado Islâmico do Afeganistão e o respectivo governo não têm o reconhecimento internacional. Os apoios indispensáveis à sobrevivência de milhões de pessoas foram quase totalmente interrompidos; a economia ressentiu-se; as Nações Unidas alertam para a crise nos sectores da saúde, da alimentação e dos Direitos Humanos.

Confesso que a pobreza não é muito diferente da que observei em 2009, quando estive no Afeganistão pela primeira vez. O país padece de uma enorme falta de infraestruturas e os 20 anos de ocupação nada resolveram, sendo que essa fragilidade torna ainda mais difícil imaginar qualquer tipo de recuperação.

O Afeganistão é um país pobre, massacrado por décadas de guerra, por diferentes ocupações e por diferentes lideranças políticas. A diversidade étnica – que devia ser uma riqueza – e a tentação de domínio que se verifica por parte dos Taliban é mais uma acha para a fogueira. O povo afegão, no seu todo, é sempre quem perde.

Nos últimos 20 anos, um maior respeito pelos Direitos Humanos terá sido a única alteração/melhoria registada. Principalmente para as mulheres, mas não só. Há uma geração, agora em idade de frequentar a Universidade, que não conheceu o anterior período de domínio Taliban, nem a ocupação soviética. Para essa geração, a ideia de liberdade ganhou algumas raízes, mas tudo isso parece ter ruído. E digo parece porque uma coisa é o que pretende o actual governo afegão e outra coisa é o que os afegãos estão dispostos a fazer para, eventualmente, contrariar essa vontade castradora por parte dos actuais líderes.

Dois anos após o regresso dos Taliban ao poder, duas semanas no terreno permitiram fazer um retrato da situação, mas é um retrato a que faltam muitas componentes. Um retrato mais completo exige mais tempo no terreno, mais tempo para ultrapassar obstáculos, mais tempo para percorrer distâncias enormes por estradas esburacadas e mais tempo para que aqueles com quem gostaríamos de falar decidam fazê-lo. Mais tempo para “mastigar” e descodificar a realidade com que nos confrontamos.

Mas nestas duas semanas e do que delas fica na reportagem que passou na RTP/Linha da Frente https://www.rtp.pt/play/p11145/e714045/linha-da-frente, sublinho a extraordinária coragem das mulheres afegãs: assumiram falar e criticar o regime frente a uma câmara de televisão. Depois, porque estando impedidas de frequentar a escola e a universidade, impedidas de trabalhar em inúmeras profissões, estando obrigadas a um acompanhante/familiar masculino para grandes viagens e estando igualmente impedidas de aceder a muitos espaços públicos, as mulheres afegãs não desistem. Pelo contrário, resistem!

Tentam, de diversas formas, rasgar e romper os muros da prisão em que as querem fechar. Recusam a invisibilidade a que as querem submeter. É, de facto, uma extraordinária coragem, porque sabemos bem o que lhes pode acontecer e porque o regime não dá nenhum sinal de mudança de rumo. Até agora tem sido sempre a piorar. Em Agosto de 2021, foram emitidos alguns sinais de que poderia ser diferente. Houve até quem referisse que havia uma nova geração Taliban. Não há! E já vimos que não vai ser diferente.

One thought on “A coragem das mulheres afegãs

  1. Ando a ler As Meninas Proibidas de Cabul – A Tradição Secreta de Resistência e Luta das Meninas Afegãs de Jenny Nordberg escrito entre 2009 e 2014. Parece-me um livro sério e estou a gostar muito da leitura.

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