Palestina, ninguém lhe acode

Protesto palestiniano contra a expansão de colonato junto à aldeia de Beit Dajan, Abril de 2022. Foto Stringer/APA Images

É impossível não ver. O actual governo de Israel não quer perder a oportunidade: aproveitar todos os dias de poder para estender os colonatos, ocupar terra palestiniana e continuar essa rota para a uma Palestina totalmente ocupada e governada directamente por Israel. Sempre foi essa a vontade e o plano último de muitos governantes israelitas (caso de Ariel Sharon), mas era um plano muitas vezes dissimulado, escondido em alegadas negociações, tréguas e planos de paz. Está tudo muito claro em declarações que fomos ouvindo e lendo ao longo dos anos. Sempre com o apoio dos Estados Unidos e a cumplicidade da Europa, mesmo que, por vezes, estes dois actores tenham emitido declarações – como acontece agora – de indignação, quando a ocupação e a violência atingem patamares insuportáveis.

Oportunidade

Naquele que é o Governo mais à direita que Israel alguma vez teve, o Ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, tem agora também a pasta da autoridade de planeamento dos colonatos que até aqui pertencia ao Ministério da Defesa. Belazel Smotrich é descrito como um feroz defensor do “Grande Israel”. O jornal Le Monde lembra que aquando de uma visita recente a Paris, Belazel Smotrich disse que o povo palestiniano é uma “invenção”. A partir de agora, num processo muito simplificado, é ele que dá luz verde aos novos colonatos. Mesmo que o Direito Internacional não o permita. Há quem possa tudo e quem a tudo feche os olhos.

O objetivo expresso no acordo de governo entre Benjamin Netanyahu e os partidos religiosos e de colonos é estender a soberania de Israel à Judeia e Samaria, isto é, à Cisjordânia (território palestiniano). Se dúvidas houvesse, terminaram.

Actualmente há quase 500.000 mil colonos na Cisjordânia e mais de 200.000 em Jerusalém Oriental. Um dos planos, antigos, é fazer crescer a cintura de colonatos em redor de Jerusalém para cortar a ligação com a Cisjordânia.

Construir, ocupar…

A organização israelita “Paz Agora” disse ao jornal Le Monde que o Governo de Israel pode legalizar em breve entre 50 e 70 colonatos selvagens (mesmo à luz da lei israelita). O governo israelita acaba de aprovar quase cinco mil novas habitações em colonatos já existentes. Nos últimos seis meses, o actual governo já tinha aprovado dez mil novos apartamentos. A mesma organização refere que, desde 2012, o ano de 2023 é aquele em que foi batido o record de construção de novas habitações para israelitas em território palestiniano ocupado.

Paralelamente à expansão da ocupação do território, o governo israelita aumenta a repressão, fazendo sucessivas incursões em cidades e aldeias palestinianas. A mais recente foi a 19 de Junho, em Jenin: seis palestinianos morreram, 91 ficaram feridos. Seis militares israelitas ficaram feridos. O argumento da incursão militar foi o mesmo de sempre: perseguição a terroristas. Pela primeira vez, desde o ano 2000, Israel utilizou helicópteros que dispararam mísseis contra Jenin. O ministro referido no início deste texto apelou a uma campanha militar de grande envergadura na Cisjordânia.

Quanto à Autoridade Palestiniana, denunciou os “massacres constantes”. É certo que não pode enfrentar os tanques ou os helicópteros israelitas, mas não tem de pactuar. E, por vezes, parece que é isso que acontece. Quando perguntei a fontes no terreno se a Autoridade Palestiniana está a dormir (“is sleeping?”, foi a expressão que utilizei), a resposta chegou curta. “está morta!”.

Reacção internacional

Perante este cenário, a ONU diz que a situação ameaça ficar incontrolável. O Alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos tem razão, mas tem de responder a uma pergunta: quando a situação está controlada, a quem serve esse controlo? E por sua vez terá de perguntar ao governo de Israel por que não respeita o Direito Internacional e por que insiste em colocar os palestinianos numa situação de tal modo desesperada que apenas a resistência faz sentido.

Os Ministérios dos Negócios Estrangeiros europeus já emitiram as habituais declarações de indignação. Já devem ter uma minuta onde apenas precisam de alterar a data e acrescentar algumas referências específicas para cada momento em que a violência irrompe nas televisões. Essas declarações lavam consciências mas não servem rigorosamente para nada. Governantes como Belazel Smotrich esboçam um sorriso e seguem em frente.

Perante décadas de desprezo pelo Direito Internacional, nem uma sanção. Impunidade absoluta.

Pesos e medidas diferentes

Ao mesmo tempo que a colonização avança, o governo de Israel chega a acordo com a Rússia para a abertura de uma secção consular em Jerusalém. Mais um passo para aumentar as representações diplomáticas em Jerusalém e mais uma bota em cima do Direito Internacional quanto ao estatuto de Jerusalém. O governo de Israel não se priva de um acordo destes com a Rússia num momento em que Moscovo invade e ocupa território da Ucrânia. Afinal, nada de surpreendente. O que surpreende é o silêncio dos que criticam a Rússia relativamente à guerra na Ucrânia, mas ficam em silêncio quanto a este acordo.

A diplomacia israelita é muito eficaz. Com pequenos passos, pequenos acordos, vai construindo a teia que permite atingir objetivos. É isso que tem feito com os que deveriam ser os primeiros aliados dos palestinianos: os países árabes. A causa palestiniana está ainda na retórica dos discursos dos líderes árabes, mas há muito que não passa disso. O Ministério da Defesa de Israel anunciou recentemente que, em 2022, exportou 2,7 mil milhões de euros de armas para os países árabes com quem Israel assinou os “Acordos de Abraão” (em 2021 as mesmas exportações representaram 789 milhões de euros). Cerca de um quarto do total do armamento exportado por Israel.

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