
Até parece, assim de repente, que apenas agora se descobriu que há violação de Direitos Humanos em algumas explorações agrícolas do concelho de Odemira, onde trabalham imigrantes. E não, desta vez, não há forma de culpar a comunicação social nem de dizer que “ninguém sabia”. Basta fazer uma rápida pesquisa na Internet para surgirem notícias e reportagens sobre trabalho escravo e condições de vida desumanas dos imigrantes que trabalham no sector agrícola. Sim, o Governo sabia, as autarquias sabiam, as autoridades sabiam e quem não usa o tempo livre apenas para ver telenovelas ou programas futeboleiros, também sabia.
O Primeiro-Ministro, António Costa, ao descrever a situação nas zonas mais atingidas pela pandemia no Concelho de Odemira, disse-o com todas as letras na conferência de imprensa que se seguiu à última reunião do conselho de ministros: trata-se de um “risco enorme para a saúde pública, para além de uma violação gritante dos Direitos Humanos”.
Aqui chegados, retenhamos esta frase: “violação gritante dos Direitos Humanos”. E que vai o Governo fazer, sendo evidente que uma violação gritante de Direitos Humanos exige uma intervenção imediata que ponha fim a essa violação? Certamente alterar as condições em que vivem os imigrantes vítimas dessa violação e fazer com que os violadores sejam responsabilizados.
Por agora, a preocupação prioritária é a saúde pública e daí a decisão de uma cerca sanitária nas freguesias de São Teotónio e Longueira-Almograve, aceitando-se naturalmente que é preciso estancar o surto de covid-19 nestas duas freguesias.
Este caso torna evidente como a exploração de trabalhadores, que faz engordar os lucros destas empresas agrícolas e das empresas (sanguessugas) de trabalho temporário, pode resultar em problemas para toda a sociedade. Este é um caso em que o resultado é mensurável e imediatamente detectável, mas sabemos todos que a pobreza para onde são empurrados todos os que trabalham em funções miseravelmente remuneradas, provoca problemas maiores para toda a comunidade. Uns engordam com os lucros proporcionados com a exploração; outros, os explorados, e depois a sociedade em geral, arcam com as consequências. Claro que quem lucra vai dizer que não é responsável pelas consequências da exploração que pratica.
Que se saiba, violar Direitos Humanos é crime. Se não é em todos os casos, devia ser. Aguardemos pois para saber como vão ser responsabilizadas as empresas envolvidas, beneficiárias directas da exploração de trabalhadores num quadro de violação de Direitos Humanos. “Violação gritante”, como disse o Primeiro-Ministro.
Será bom que o tempo não ajude a passar uma esponja sobre esta situação. Será bom que outras notícias e outros problemas não façam esquecer este caso no concelho de Odemira; será bom que o Governo não se fique pelas palavras de indignação; será bom que este caso não fique nos últimos lugares da pilha de casos nas secretárias do Ministério Público.
Violação de Direitos Humanos é gravíssimo, mas o “fechar de olhos” ao que há muito tempo é conhecido naquela região do país, é, talvez, ainda pior. Não há volta a dar: quem tem responsabilidade tem de actuar, sob pena de se tornar cúmplice. É tempo de arrepiar caminho.