
Donald Trump faz questão de ser uma caixinha de surpresas. Ao contrário da comédia preparada para as televisões, quando tentou humilhar o presidente ucraniano, Trump optou por receber o presidente sírio de forma discreta, quase envergonhada. O presidente norte-americano não recebeu Ahmed Al Sharaa na porta principal da Casa Branca, como é hábito em visitas oficiais. Al Sharaa entrou por uma porta lateral, sem o protocolo habitual reservado aos chefes de Estado. As agências de notícias referem que Al Sharaa chegou “discretamente” e assim teria saído, menos de duas horas depois, se não fizesse questão de parar alguns instantes para saudar os sírios que o aguardavam no exterior.
Do encontro entre Trump e Al Sharaa há apenas fotografias oficiais, porque só os fotógrafos oficiais entraram na Sala Oval e são as únicas a que as agências de notícias tiveram acesso. As televisões não entraram e não há imagens vídeo do encontro, tal como não há declarações dos presidentes antes ou após o encontro, não houve conferência de imprensa conjunta. Trump falou sobre o encontro mas apenas depois de outros afazeres e já Al Sharaa estava longe da Casa Branca. Resumindo: jornalistas mantidos à distância.
Calculismo ou perspectiva de fracasso?
Saber a que se deve este calculismo de Trump é a grande questão, porque não foi certamente uma imposição de Ahmed Al Sharaa. A Agência France Press lembra que Al Sharaa passou da lista negra do FBI (que oferecia 10 milhões de dólares pela sua captura) à Casa Branca, uma consagração para o antigo Jihadista, sendo também a primeira vez que um chefe de Estado sírio foi recebido na Sala Oval. Só que, Ahmed Al Sharaa é um presidente interino e por força de um passado de guerrilha, que o atirou para cinco anos em prisões norte-americanas no Iraque, ainda é visto com muito cepticismo. Terá sido por isso?
Após o encontro, Trump voltou a elogiar o homem que ele já definira, em Maio, como “um jovem forte e atraente (ou sedutor, conforme a tradução). Um homem duro!”, em quem vê potencial, considerando-o um verdadeiro líder. Trump acrescentou que fará tudo o que puder para que a Síria tenha sucesso.
Por agora, o que se sabe, dito por Marco Rubio, é que as sanções norte-americanas contra a Síria vão continuar suspensas por mais 180 dias. Depois, um aviso: o Presidente Trump deixou claro que os Estados Unidos esperam ver ações concretas por parte do governo sírio para virar a página do passado e trabalhar pela paz na região.
Al Sharaa, emitiu um comunicado lacónico dizendo que abordou com Trump a forma de desenvolver e reforçar a relação bilateral, e que outros assuntos de âmbito regional e internacional também foram abordados. Tudo somado, convenhamos, é pouco.
Entrevista
Mais tarde, numa entrevista à FOX News, Al Sharaa disse que a questão de juntar a Síria à coligação internacional que combate a organização Estado Islâmico (ISIS), é um assunto que precisa de uma discussão mais profunda. Ainda assim, do lado da administração norte-americana – para além do comunicado de Marco Rubio – só declarações ao abrigo do anonimato: “A Síria será o 90º membro da coligação contra o ISIS” e “os Estados Unidos autorizarão a Síria a retomar as actividades da sua Embaixada em Washington para reforçar a coordenação em matéria de luta contra o terrorismo, segurança e economia”.
Convenhamos que é pouco para uma primeira visita de um presidente sírio à Casa Branca. Já houve vários encontros (poucos) entre presidentes dos dois países (alguns em Genebra) e por apenas duas vezes, um presidente norte-americano foi a Damasco. Em outubro de 1994, Bill Clinton chegou a Damasco. Foi a sua primeira visita à capital síria e apenas a segunda de um presidente norte-americano. O primeiro foi Richard Nixon em Junho de 1974. Destas visitas e de outros encontros noutros locais, nunca saíram grandes decisões e nunca os Estados Unidos conseguiram moldar a vontade e a política da Síria.
Acordos de Abraão se Israel sair dos Montes Golan
Um dos pontos mais importantes desta visita de Al Sharaa a Washington era sem dúvida os Acordos de Abraão e a vontade de Trump de levar a Síria para a esfera de influência de Israel, mas não por acaso, na já referida entrevista à Fox News, Al Sharaa disse que “a situação na Síria é diferente da situação dos países que aderiram aos Acordos de Abraão. A Síria faz fronteira com Israel, e Israel ocupa as Colinas dos Montes Golan desde 1967; não vamos entrar em negociações directas agora. Talvez o governo dos Estados Unidos, com o presidente Trump, nos ajude a chegar a este tipo de negociações”.
Al Sharaa sabe que é uma questão para a qual os sírios não estão preparados e que não pode somar problemas aos muitos problemas que a Síria tem. De forma inteligente coloca a bola no campo de Trump: convencer Israel a sair dos Montes Golan e assim haverá um motivo para que os sírios possam vir a aceitar os Acordos de Abraão.
Depois do primeiro encontro com Donald Trump, em Maio, na Arábia Saudita, Ahmed Al Sharaa já deve ter tido tempo para ler a frase atribuída a Henry Kissinger (o secretário de estado de Nixon quando o presidente norte-americano visitou Damasco): “Ser inimigo dos Estados Unidos é perigoso, mas ser amigo dos Estados Unidos é fatal!”. Al Sharaa está a revelar-se cuidadoso, numa fase em que tenta perceber com quem realmente pode contar.
NOTA: depois de terminado este texto vejo notícia de entrevista de Al Sharaa ao Washington Post sobre a ocupação israelita dos Montes Golan: “Israel ocupou os Montes Golan para se proteger e está agora a impor condições no sul da Síria para proteger os Montes Golan. Assim, daqui a uns anos, talvez ocupem o centro da Síria para proteger o sul da Síria. Por esse caminho chegarão a Munique.”
Pinhal Novo, 12 de Novembro de 2025
02h00
jmr
