
Aos palestinianos pouco importa a classificação jurídica do que lhes está a acontecer. Apenas sabem que estão a morrer, a tiro, à bomba e à fome. E sabem que alguns líderes israelitas têm dito que o objetivo é mesmo acabar com eles. Seja de que maneira for. O objetivo tem vindo a ser conseguido: em quase 23 meses de guerra, os ataques israelitas a Gaza já mataram mais de 63 000 pessoas, fizeram cerca de 160 000 feridos, destruíram as infraestruturas e habitações, e estima-se que alguns milhares de vítimas estejam debaixo dos escombros ou tenham pura e simplesmente desaparecido devido aos bombardeamentos.
Mas, se a classificação de Genocídio é algo que deixa os líderes israelitas de “cabelos em pé”, porque também os judeus foram vítimas de Genocídio, e se todos os argumentos têm sido usados para desmentir e desacreditar quem acusa Israel de cometer Genocídio (quem o faz é prontamente acusado de antissemita e todos os que o fazem estão enganados ou são enganados pela “propaganda” do Hamas…), desta vez é a mais insuspeita das organizações a fazer a acusação. A maior associação académica mundial de estudiosos do Genocídio diz que estão cumpridos os critérios legais para estabelecer que o exército de Israel está a cometer Genocídio em Gaza. Oitenta e seis por cento dos 500 membros da Associação Internacional de Estudiosos do Genocídio votaram uma resolução a reconhecer o Genocídio em Gaza, considerando que as “políticas e ações de Israel em Gaza” enquadram-se na definição legal estabelecida no artigo II da Convenção da ONU de 1948 sobre o Genocídio. Como seria de esperar, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel respondeu que a declaração é vergonhosa e “inteiramente baseada na campanha de mentiras do Hamas”. A Convenção da ONU sobre o Genocídio de 1948, adoptada após o assassinato em massa de judeus pela Alemanha nazi, define o Genocídio como crimes cometidos “com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal”. Exige também que todos os países actuem para prevenir e impedir o Genocídio.
Da legítima defesa a cometer Genocídio, vai uma enorme distância e só o governo israelita recusa aceitar a diferença.
Resolução
A resolução de três páginas, aprovada pela Associação Internacional de Estudiosos do Genocídio (presidida por Melanie O’Brien, professora de direito internacional na Universidade da Austrália Ocidental, especializada em Genocídio), apela a Israel para “cessar imediatamente todos os actos que constituam Genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade contra os palestinianos em Gaza, incluindo ataques deliberados e assassinatos de civis, incluindo crianças; fome; privação de ajuda humanitária, água, combustível e outros bens essenciais à sobrevivência da população; violência sexual e reprodutiva; e deslocação forçada da população”. A resolução afirma também que o ataque do Hamas a Israel, que precipitou a guerra, constituiu crimes internacionais.
Citada pela agência Reuters, a presidente desta Associação, Melanie O’Brien disse que “esta é uma declaração definitiva de especialistas na área dos estudos sobre o Genocídio de que o que está a acontecer em Gaza é Genocídio”, acrescentando que “não há justificação para a prática de crimes de guerra, crimes contra a humanidade ou Genocídio, nem sequer legítima defesa”.
Neste vídeo https://www.youtube.com/watch?v=TcZ6F36VWAQ de Melanie O’Brien explica a acusação de Genocídio.
Esta conclusão de uma prestigiada instituição dedicada ao estudo do Genocídio, é de particular importância, desde logo porque são centenas de académicos e estudiosos a chegar à mesma conclusão e também porque é uma instituição reconhecida por fazer avaliações independentes e baseadas em factos. Por outro lado, surge num momento em que Israel enfrenta a acusação de Genocídio num processo que decorre no Tribunal Penal Internacional.
Cumplicidades
Sendo Genocídio, e havendo governos – muitos – que mantêm uma relação estreita com o actual governo de Israel, recusando inclusivamente qualquer tipo de sanção ao Estado que executa o Genocídio, esses governos são cúmplices do crime de Genocídio. Para já não falar dos que têm mantido a venda de armas ao governo de Telavive (jornal Público, 31 de Agosto, páginas 16 e 17), mesmo sabendo da desgraça que essas armas provocam em Gaza. Esses governos – os governantes têm nome – terão de ser responsabilizados. Talvez alguns deles ainda venham a prestar contas ao TPI.
Aliás, aguardamos todos para ver qual a posição que a ONU vai tomar perante a recusa norte-americana de passar vistos a membros da Organização de Libertação da Palestina e da Autoridade Palestiniana para que possam estar presentes na Assembleia-Geral da ONU, de 22 a 30 de Setembro, em Nova Iorque. O assunto não está fechado, mas se a ONU não quiser perder credibilidade a Assembleia-Geral terá de ser transferida, eventualmente para Genebra, como aconteceu em 1988, precisamente porque os Estados Unidos recusaram um visto a Yasser Arafat. E quando se diz ONU deve entender-se os países que dela fazem parte, principalmente aqueles que têm vindo a dizer que estão preparados para reconhecer o Estado da Palestina durante a próxima sessão da Assembleia-Geral, Portugal incluído. A ver vamos se o lóbi Estados Unidos-Israel tem mais força e influência do que aqueles que ainda tentam fazer alguma coisa para estar do lado certo da história.
Pinhal Novo, 2 de Setembro de 2025
jmr
00h15
