Matar 20 pessoas para “matar” uma câmara

O momento do segundo ataque à escadaria do Hospital Nasser. Imagem divulgada pela Al-Ghad TV e publicada em democracynow.org

O exército israelita diz que o ataque (25 de Agosto) que matou 20 pessoas, incluindo 5 jornalistas, no Hospital Nasser, foi desencadeado porque havia uma câmara do Hamas no local atacado: os soldados “identificaram uma câmara colocada pelo Hamas numa área do Hospital Nasser, utilizada para observar a actividade das tropas com o objectivo de dirigir atividades terroristas contra elas”.

Ficamos assim a saber que o exército israelita não quis matar jornalistas, quis apenas “matar” uma câmara do Hamas. E, porque a câmara do Hamas não “morreu” com o primeiro ataque, o exército israelita esperou que os paramédicos fossem socorrer a dita câmara, para desferir um segundo ataque.

Ficamos também a saber que em termos de danos colaterais, o exército israelita considera aceitável que para “matar” uma câmara que, alegadamente, vigiava as tropas israelitas, possam morrer 20 pessoas.

É difícil aceitar os argumentos do exército israelita, divulgados depois de uma investigação inicial: os soldados “agiram para eliminar a ameaça atacando e desmantelando a câmara”. Para quem não viu as imagens, é bom explicar que o local atacado, uma zona de escadas exteriores no último piso de um edifício do Hospital, era habitualmente utilizado por jornalistas porque permitia olhar para uma vasta zona e era um bom local para directos de televisão.

Desta vez, porém, o exército israelita não diz que os jornalistas assassinados são “terroristas”, mas sempre diz que entre as 20 pessoas assassinadas estão seis “terroristas” (Israel divulgou o nome dos seis alegados terroristas).

Segundo uma fonte de segurança citada por vários meios de comunicação israelitas, os soldados receberam autorização para destruir a câmara referida na investigação com um drone, mas, foram veículos blindados que dispararam duas vezes.

Desta vez, o ataque é tão indefensável que o próprio Benjamin Netanyahu viu-se obrigado a admitir que foi um “acidente trágico” e a prometer uma “investigação aprofundada”.

Hamas

O Hamas emitiu um comunicado a rejeitar as conclusões da investigação inicial feita pelo exército israelita, considerando que as alegações são infundadas e não foram apresentadas provas, e dizendo que é apenas uma forma de escapar à responsabilidade de um massacre. O Hamas também diz que não havia militantes do Hamas entre as 20 pessoas que morreram neste ataque e acrescenta que dos seis nomes que Israel diz serem “terroristas”, dois são de facto membros do Hamas, mas foram mortos noutras circunstâncias e noutros locais que não durante o ataque ao Hospital Nasser.

A pergunta

O embaixador de Israel na ONU, Danny Danon, disse esta quarta-feira (27) que haverá mais informação nos próximos dias e que os detalhes estão a ser investigados. Será bom que essas informações sejam divulgadas e que sejam acompanhadas de provas concretas.

Mas, ainda assim, há uma pergunta a fazer: por que é que após um primeiro ataque e após ser possível ver que o local e as pessoas que lá estavam, bem como o equipamento de televisão (e presume-se também a tal câmara do Hamas…) tinham sido destruídos, e havendo paramédicos no local a tentar socorrer os sobreviventes… por que é que o exército israelita atacou uma segunda vez?

E a pergunta arrasta uma questão fundamental: lembro-me de locais onde os atentados de organizações consideradas “terroristas”, tais como os Taliban ou a Al Qaeda, utilizavam a táctica do “ataque duplo”, acionando um segundo engenho explosivo precisamente após a chegada dos socorristas que auxiliavam as vítimas de uma primeira explosão. Não queremos acreditar que o exército israelita tenha adoptado essa táctica. Seria demasiado perverso.

Pinhal Novo, 28 de Agosto de 2025

Jmr

17h00

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