A paixão súbita de Trump por Al Sharaa

Donald Trump e Ahmed Al Sharaa cumprimentam-se e trocam um sorriso durante o encontro na Arábia Saudita, peran o olhar do anfitrião, Príncipe herdeiro Mohammad Bin Slaman. SANA NEWS 14MAI2025

Não sabemos se alguma vez o presidente interino da Síria, Ahmed Al Sharaa leu a frase atribuída a Henry Kissinger: “Ser inimigo dos Estados Unidos é perigoso, mas ser amigo dos Estados Unidos é fatal!”. Se Al Sharaa não leu, alguém o devia alertar.

Também não sabemos o que disse Ahmed Al Sharaa a propósito de Donald Trump, mas sabemos o que Trump (citado pela Agência France Press) disse de Al Sharaa: “um jovem forte e atraente (ou sedutor, conforme a tradução). Um homem duro !”. Citado pela Reuters, Trump disse que “(Al Sharaa) tem potencial. Ele é um verdadeiro líder”. Mais do que isto é impossível, tendo em conta que foi apenas o primeiro encontro.

Convenhamos que esta paixão súbita e aparente entendimento entre os dois presidentes deixa qualquer um de pé atrás. É certo que os dois acabam de chegar ao poder e querem deixar marca, mas dois homens vivendo em contextos e com origens tão diferentes, e percursos de vida totalmente distintos, dificilmente terão algo que os possa unir de forma sólida e profunda na forma como olham o mundo. A ver vamos.

Renascimento sírio

Para já, depois de um encontro de meia hora como Donald Trump, em Riade, com a presença do príncipe herdeiro da Arábia Saudita e com o presidente turco em videoconferência, Ahmed Al Sharaa falou aos sírios através da televisão. Agradeceu o levantamento das sanções norte-americanas e disse que uma Síria estável significa estabilidade na região, agradeceu aos líderes dos países árabes que já o receberam, agradeceu a Erdogan por ter recebido milhões de refugiados sírios e por ter “apoiado parte do povo sírio durante 14 anos” e agradeceu a Macron pela recepção em Paris. A estes agradecimentos acrescentou que a Síria está aberta ao investimento estrangeiro e vai fazer tudo para criar condições que permitam atrair capital internacional para um desenvolvimento a que já deu um nome: “Renascimento Sírio”.

É certo que Ahmed Al Sharaa herdou um país destruído. Economia em ruínas, infraestruturas reduzidas a escombros, serviços paralisados, segurança frágil e uma sociedade marcada por divisões étnicas e religiosas. A tarefa de reconstrução e “Renascimento” é hercúlea e Al Sharaa precisa de dinheiro e apoios externos. É aí que entra Trump. Não apenas pelo levantamento de sanções mas também pela oportunidade de investimento. Tudo isto é fácil de entender. Mas Trump é um homem de negócios e poucos acreditarão que esteja disposto a ser o benfeitor caridoso que vai ajudar Al Sharaa e a Síria sem nada pedir em troca. Certamente que não é assim e por isso é grande a curiosidade relativamente ao que Al Sharaa terá prometido a Trump.

Caderno de encargos

Se não sabemos o que o presidente sírio prometeu a Trump, o presidente norte-americano não se coibiu de dizer o que pretende, para já, de Al Sharaa. A Casa Branca anunciou que Trump disse a Al Sharaa que deve deportar palestinianos “terroristas”, assinar os acordos de Abraão e ficar responsável pelos campos no norte da Síria onde estão membros da organização Estado Islâmico e muitos familiares. Parece pouco, mas é muito, principalmente pelas implicações que tudo isto pode ter.

Em Abril, já houve um caso de palestinianos da Jihad Islâmica detidos na Síria e depois libertados, com o grupo palestiniano a dizer que foi uma atitude não esperada da parte dos “irmãos” sírios. Quanto aos acordos de Abraão – acordos de normalização de relações com Israel – será algo aparentemente mais difícil apesar da informação dos últimos dias sobre os encontros entre delegações sírias e israelitas, no Azerbaijão, supostamente para acabar com os ataques israelitas a território sírio. Al Sharaa tem dito que a nova Síria não quer problemas com os vizinhos, mas a relação com Israel terá de ser tratada com “pinças”, tal como a eventual deportação de palestinianos, sob pena de criar dificuldades internas ao novo poder de Damasco. Al Sharaa conhece bem a discordância entre o Poder nas várias capitais do mundo árabe e o povo, a chamada “rua árabe”, não querendo, certamente, que isso seja mais um factor de perturbação numa Síria com problemas mais do que suficientes.

Curdos

Por fim os campos onde estão os membros da organização Estado Islâmico e as famílias. São campos em território curdo, controlados pelos curdos. Se esse controlo passar a ser feito pelo governo de Damasco, isso significaria que Al Sharaa estaria a estender poder e a beliscar a autonomia curda. Os curdos até gostariam de ver o governo sírio a ficar com o controlo dos antigos combatentes da organização Estado Islâmico, mas não em território curdo.

Mazloum Kobani (líder das FDS) e Ahmed Al Sharaa (presidente interino da Síria) assinaram um acordo a 10 de Março de 2025. Foto SANA NEWS

Aliás, apesar de haver um acordo, assinado a 10 de Março entre Al Sharaa e Mazloum Kobani (líder curdo comandante das “Forças Democráticas da Síria”), sobre um cessar-fogo, a luta contras as reminiscências do regime de Assad e a integração das instituições curdas civis e militares no poder de Damasco, é um acordo para implementar até final do ano e não é seguro que venha a ser totalmente aplicado. Os curdos reivindicam um sistema de governo “descentralizado”, mas Al Sharaa rejeita essa proposta e diz que é uma ameaça à unidade nacional da Sìria: “a unidade do território da Síria e do seu povo é uma linha vermelha”.

Os curdos, mais uma vez podem vir a ficar desamparados. Apesar de terem ainda algum apoio norte-americano, podem ser rapidamente descartados se Donald Trump concluir que á mais proveitoso aceder aos interesses de outros aliados.

Regressando ao início deste texto, Ahmed Al Sharaa deve saber que com os norte-americanos todo o cuidado é pouco. No Médio Oriente, a História tem exemplos suficientes de líderes considerados “amigos” e até bajulados pelos Estados Unidos que acabaram na desgraça.

Pinhal Novo, 19 de Maio de 2025

23h45

jmr

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