
A grande derrota de Israel, mesmo que os supremacistas israelitas reclamem vitória e a destruição do Hamas, é que o Mundo está a ver o que este governo de Israel está a fazer. O Mundo sabe o que este governo de Israel está a fazer na Faixa de Gaza (e na Cisjordânia), mesmo que Gaza esteja fechada aos jornalistas estrangeiros, mesmo que Israel continue a matar jornalistas palestinianos, mesmo que muitos governos fechem os olhos e tenham medo das palavras, e continuem a fornecer armas e munições e a manter o “ business as usual” com o Estado de Israel. Por muito menos, outros países foram duramente sancionados e tornados quase párias no clube das nações. O que este governo de Israel está a fazer não tem perdão.
A ofensiva militar israelita na Faixa de Gaza é um exemplo de como exterminar um povo (ou parte dele), num determinado território, perante a passividade da chamada Comunidade Internacional. As declarações de alguns governos sobre o que está a acontecer em Gaza, não passam de palavras que procuram lavar consciências, mas têm o mesmo efeito prático que estas palavras que agora dedilho no meu computador. Isto é: nenhum efeito. Ora, não é para isso que queremos governantes. Preocupados com a situação em Gaza estão todos aqueles que têm uma réstia de humanismo a correr nas veias, mas dos governantes não queremos apenas a expressão dessa preocupação, queremos algo que force este governo de Israel a parar a carnificina. O Tribunal Penal Internacional já fez o que tinha de fazer e será bom que os acusados sejam julgados. E os governos europeus fazem o quê? Não há volta a dar: aqueles que nada fizerem, por muito tempo que passe, ficarão para sempre cúmplices do massacre que ocorre em Gaza.
As denúncias estão aí e os factos são conhecidos.
O secretário-geral dos Médicos Sem Fronteiras, Christopher Lockyear, denunciou: “Vemos sinais claros de limpeza étnica à medida que os palestinianos são deslocados à força, presos e bombardeados”.
A Human Rights Watch acusa a diplomacia israelita de mentir e alerta: “As autoridades israelitas criaram deliberadamente condições de vida com o objectivo de causar a destruição de parte da população de Gaza, privando intencionalmente os civis palestinianos no enclave de acesso adequado à água, o que provavelmente causou milhares de mortes” (…) “Ao fazê-lo, as autoridades israelitas são responsáveis pelo crime contra a humanidade de extermínio e actos de genocídio”.
Catástrofe económica
Os números são do mais recente relatório do Banco Mundial: o PIB da Faixa de Gaza colapsou 86% no final do primeiro semestre de 2024, face ao período homólogo; no total, o impacto para toda a economia palestiniana representa uma queda de 33,6% no PIB, também devido à guerra na Cisjordânia (queda de 23,3% no PIB); a inflação atingiu agora (em Gaza) os 300% num ano, no mês de Outubro, num território para onde estão deslocadas 1,9 milhões de pessoas, numa população de 2,1 milhões de habitantes antes do início do conflito; os preços dos produtos alimentares dispararam 440% num ano e os da energia, mais de 200%, devido a grandes perturbações no abastecimento e à dificuldade em levar ajuda à população; 91% da população da Faixa de Gaza enfrenta uma acentuada insegurança alimentar, incluindo 875 mil pessoas em situação de emergência e 345 mil pessoas em situação de emergência absoluta; os habitantes de Gaza já não têm onde se abrigar durante o inverno, tendo quase 90% das casas sido destruídas ou gravemente danificadas; de um modo mais geral, todas as estruturas básicas da sociedade de Gaza estão destruídas: as redes de comunicações estão quase completamente destruídas, apesar dos esforços dos operadores locais para manter a conectividade; no sector privado mais de 88% das empresas destruídas ou danificadas, assim como 70% da rede rodoviária. São estes os números e é este o retrato feito pelo Banco Mundial, por muito que Israel diga que está a fazer entrar ajuda em Gaza.
Gaza está a ser triturada
Apesar de 15 meses de incessante bombardeamento aos 360 quilómetros quadrados da Faixa de Gaza, o governo de Israel não se cansa de avisar que os bombardeamentos vão continuar. As negociações para um cessar-fogo decorrem, mas a esperança é nula. Aliás, é muito difícil qualquer negociação quando Israel Katz, Ministro da Defesa de Israel faz afirmações como esta: “Depois de eliminar o poder militar e governamental do Hamas em Gaza, Israel exercerá o controlo de segurança sobre Gaza com total liberdade de acção”.
Seja através dos bombardeamentos a “tudo o que mexe” com o pretexto de que há um qualquer sinal de “terroristas”, seja através do boicote à entrada de ajuda humanitária, seja eliminando os equipamentos de saúde que ainda restam, seja porque proibiu o trabalho da única agência da ONU (UNRWA) com capacidade para ajudar os palestinianos, este governo de Israel não está apenas a atacar Gaza, está a triturar Gaza, e, assustadoramente, considera que tem esse direito. Mesmo que os bebés palestinianos estejam a morrer de frio, como tem acontecido nos últimos dias.
Israel perdeu a guerra
Ainda assim, apesar da evidente superioridade militar, mesmo que Gaza fique desfeita, Israel já perdeu a guerra. Todo o capital de simpatia que Israel ainda tinha, associado ao que os judeus sofreram com o nazismo, esfumou-se. E é triste que assim seja, porque é fundamental não esquecer o Holocausto e é bom não confundir o povo judeu com o Estado (e este governo) de Israel, apesar do actual primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, não se cansar de tentar misturar as coisas. Aliás, seria bom que os judeus que não se identificam com este governo e com esta guerra tivessem uma voz mais activa a demarcarem-se dos supremacistas judaicos que executam a carnificina em Gaza.
Mais de quarenta e cinco mil mortos e cento e oito mil feridos depois, é notável a capacidade de resistência de muitos palestinianos. Em Gaza ou em qualquer outro local dos territórios palestinianos ilegalmente ocupados, como é o caso de Fakhri Abou, 62 anos, que viu as autoridades israelitas demolirem a sua casa pela segunda vez este ano, em Al-Boustan, Jerusalém Oriental: “Querem expulsar-nos do bairro”, disse à Agência France Press, acrescentando que “ficaremos em Al-Boustan, mesmo numa tenda ou debaixo de uma árvore”. É também isto, principalmente isto, esta alma, que os supremacistas israelitas não suportam.
A opinião pública internacional que não “bebe” acriticamente da máquina de comunicação israelita, sabe o que está a acontecer. Não há justificação, nem atenuantes, para os crimes cometidos em Gaza. Não há derrota maior que um Estado possa sofrer do que perder o respeito dos povos.

Muito bom José Manuel Rosendo !
GostarGostar
Uma boa reflexão do contexto em que vivemos e da cegueira e do assobiar para o lado que se vê internacionalmente. Ainda bem que temos a visão de jornalistas que não se deixam levar por essa cegueira.
Muito me custa a ler os posts de apoio a esta guerra e aniquilação de gaza sustentada no atentado de 7 de Outubro, onde já se viu que Israel só usa os reféns como pretexto, pouco interesse tem em recuperá-los (se calhar um dia ainda se vai saber que foi uma operação false flag..).
Enfim, muito triste o que está a acontecer, esperemos por melhores dias, mas Israel já está manchado na opinião pública internacional.
GostarGostar