
A França está mergulhada numa enorme crise política e há um responsável principal: Emmanuel Macron, o presidente.
A crise política anunciava-se desde as eleições legislativas de 2022, quando o campo político de Macron perdeu a maioria absoluta conquistada em 2017. Desde 2022 que a Assembleia Nacional francesa vivia com as forças políticas entrincheiradas, com raros entendimentos, e com os sucessivos governos – principalmente o de Elisabeth Borne – a fazer passar legislação ao abrigo de um artigo da constituição (49.3) que permite ao governo aprovar legislação sem o voto da Assembleia. Quando o procedimento é este, os partidos políticos têm a possibilidade de apresentar uma moção de censura que, a ser aprovada, evita a entrada em vigor da legislação que o governo aprove através do tal artigo da constituição sem o voto dos deputados. Desta vez, face à proposta de Orçamento para 2025 – que está no Senado depois de rejeitada pela Assembleia e voltaria ainda à Assembleia e ao Senado depois de uma Comissão tentar alterações que permitissem a aprovação – os deputados da Nova Frente Popular (NFP) e do Rassemblement National resolveram não esperar por um processo que é demorado e apresentaram duas moções de censura. A da NFP foi aprovada com 331 votos a favor entre os 577 deputados.
49.3 e idade da reforma
A legislação da segurança social que alterou a idade da reforma foi uma das leis que o governo de Elisabeth Borne fez passar recorrendo ao artigo 49.3 e este terá sido o momento em que ficou evidente a fractura entre o campo político de Macron e uma parte substancial da sociedade francesa. A França assistiu a 13 dias de manifestações durante os primeiros seis meses de 2023 com as sondagens a indicarem de forma permanente que mais de 70% dos franceses estava contra a alteração. Macron e o governo não ouviram a rua, seguindo a máxima de que a democracia começa nas eleições e termina na Assembleia. Macron e o governo esqueceram-se que é preciso ouvir as pessoas, não apenas quando expressam uma preferência eleitoral, mas sempre que tenham alguma coisa a dizer.
Derrotas eleitorais
Depois, vieram as eleições para o Parlamento Europeu (Junho de 2024) e o Rassemblement National (de Marine Le Pen) obteve 31,37% dos votos (30 eurodeputados), mais do que o campo presidencial (14,60% e 13 eurodeputados) e o Partido Socialista (13,83% e 13 eurodeputados). Macron disse que não podia fazer como se nada se tivesse passado e dissolveu a Assembleia Nacional com o argumento de que pretendia uma “clarificação” da parte dos eleitores. Ou seja: digam lá o que, de facto, querem. E os eleitores disseram. Perante o crescimento da extrema-direita formou-se a chamada frente republicana que juntou, informalmente, partidos de esquerda e o campo político de Macron. As sondagens apontavam para uma vitória da extrema-direita, mas o partido de Le Pen e Bardella ficou em terceiro lugar, embora tenha aumentado substancialmente o número de deputados. Para surpresa de Emmanuel Macron, a coligação de esquerda (Nova Frente Popular) venceu as eleições e o campo de Macron acabou por ser o grande derrotado, ficando muito longe do resultado das legislativas de 2022, perdendo quase uma centena de deputados.

Estratagema
Sempre com o chão a fugir-lhe, Emmanuel Macron esqueceu rapidamente a frente republicana (ver fotografia neste texto) e tentou entendimentos à direita, nomeando um Primeiro-Ministro oriundo dos Les Republicans (um partido dividido, cujo líder se aliou a Marine Le Pen para as legislativas de 2024 mas que não foi acompanhado pela maioria dos membros do partido) com o argumento de que era um primeiro-ministro que não seria, à partida, alvo de uma moção de censura. De facto não foi, mas durou apenas três meses. Macron nem sequer tentou nomear um primeiro-ministro indicado pela NFP ou outra personalidade de esquerda que, eventualmente, tivesse o apoio da NFP. Macron escolheu e nomeou um primeiro-ministro como se tivesse sido o seu próprio campo político a vencer as eleições. À frente republicana exigia-se um entendimento na sequência do combate que tinha feito para travar a extrema-direita. A atitude de Macron confirmou o que há muito se sabia: quando foi preciso, a esquerda votou no campo de Macron (segunda volta das presidenciais de 2022) para travar a extrema-direita de Marine Le Pen, mas quando foi preciso um entendimento do campo de Macron com a esquerda para dar seguimento a esse caminho de oposição à extrema-direita, o campo de Macron revelou-se incapaz de o fazer. Está-lhes no sangue. Aliás, Macron fez percurso sempre ligado a grandes empresas ou a planos que as favoreciam. E foi banqueiro, no Banco Rothschild.
E agora?
Os governos passam e os Presidentes ficam. É esta a norma – não escrita – em Portugal e em França. Mas em França as responsabilidades do Presidente na governação são completamente diferentes. E desta vez, apesar de ser essa a última solução, Macron que se cuide, porque não parece haver saída política para dar um governo estável à França e, mais do que encontrar esse governo, os franceses podem querer em primeiro lugar apontar o caminha da rua a quem trouxe o país a este ponto.
A França Insubmissa pede a resignação de Emmanuel Macron, mas o secretário-geral do PS, Olivier Faure disse que isso não será uma boa solução. Quanto ao Rassemblement National, Marine Le Pen diz que o partido está pronto para presidenciais antecipadas.
Esta quinta-feira (05.12), às 19h00 (hora de Lisboa), Macron fala ao país.
