Gaza, a vergonha do mundo

Al Maamadani hospital, para onde foram levadas as vítimas de um ataque israelita que atingiu uma escola das Nações Unidas transformada em abrigo em 19 de Outubro de 2024. Foto: Omar AL-QATTAA/AFP, publicada em the peninsulaqatar.com

Beirute, 20 de Outubro, 01h14 – É difícil adormecer enquanto a Al Jazeera mostra a tragédia na Faixa de Gaza. Mais uma vez, mais um dia, muitos corpos alinhados, no chão, envolvidos em mortalhas brancas, rodeados por pessoas de olhar perdido, muitas vezes a chorar, expressões de desespero. As ambulâncias correm para hospitais que quase não existem e onde os médicos e enfermeiros estão esgotados e sem meios, nem forças, para socorrer quem precisa.

As pessoas estão constantemente a ser empurradas para novos locais alegadamente seguros. Depois, acabam por morrer, sem saber porquê.

Nas últimas horas, cinco edifícios residenciais foram bombardeados no campo de refugiados de Beit Lahia. A Defesa Civil de Gaza revela a morte de 73 pessoas, outras fontes garantem mais de uma centena de mortos. Já nem se fala de feridos…

As denúncias

A chefe interina da ONU para os assuntos humanitários, Joyce Msuya, diz que os palestinianos no norte da Faixa de Gaza estão a viver “horrores indescritíveis sob o cerco das forças israelitas”. “Estas atrocidades devem parar”, acrescentou. E o relato continuou: “Em Jabalia, as pessoas ficam presas nos escombros e os socorristas não conseguem chegar aos locais onde estão”; “Dezenas de milhares de palestinianos são deslocados à força. Os bens básicos estão a esgotar-se. Os hospitais, sobrecarregados de doentes, foram afetados”, descreveu.

É devido a estes relatos e denúncias que Israel não gosta das Nações Unidas; é devido ao trabalho – com defeitos e certamente muitos problemas – das agências das Nações Unidas que os desafortunados da história ainda conseguem sobreviver e alumiar a esperança possível num futuro onde o governo extremista e supremacista de Benjamin Netanyahu preferia que não tivessem lugar. É por tudo isto e pela coragem que nenhum outro secretário-geral da ONU tinha tido até agora que Israel não gosta da ONU e ainda menos de António Guterres. Lembro-me bem de ver Ban Ki-moon (antigo secretário-geral) a dar uma conferência de imprensa, em janeiro de 2009, em Siderot, tendo como pano de fundo os restos dos rocket’s rudimentares que o Hamas lançava para território israelita (Palestina ocupada, na perspectiva do Hamas). Há 15 anos, os planos israelitas que agora recusam abertamente o Estado palestiniano, estavam num outro estádio, mas a presença de Ban Ki-moon serviu perfeitamente a estratégia há muito delineada. Ainda bem que Guterres não se deixou instrumentalizar.

O mundo recusa ver

Olhando para os números – cada um é uma pessoa e tem um nome – é impossível aceitar que o mundo continue cego à desgraça que os palestinianos estão a viver e que os líderes internacionais continuem a enganar-nos com tímidos pedidos de contenção a Israel e com ameaças ainda mais tímidas de embargo de venda de armas (como se fosse possível verificar quais as armas que Israel utiliza em Gaza contra a população civil). Nunca a hipocrisia atingiu este nível e nunca nos envergonhou tanto. Alinhamento atlantista a isso obriga. Washington impõe as regras e cada um que encontre os argumentos que quiser.

Em Gaza, desde 7 de Outubro de 2023, foram mortas 42 519 pessoas (17 029 eram crianças – 70% das vítimas eram mulheres e crianças) e quase 100 000 ficaram feridas; 176 jornalistas e trabalhadores dos media já foram mortos em Gaza, segundo o gabinete de imprensa de Gaza; 228 trabalhadores das nações unidas morreram em Gaza desde 7 de outubro. Falta ainda saber quantos corpos estão sob os escombros.

A esmagadora maioria dos que sobreviveram até agora não têm casa nem meios de sobrevivência. São mais de dois milhões. Já imaginaram o Inverno a chegar a Gaza?

Durmam bem.

Beirute, 20 de Outubro de 2024

jmr

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