
Uns dias antes da segunda volta das eleições legislativas francesas comecei a escrever umas linhas com algumas ideias e alguma esperança sobre a decisão final dos franceses. Entretanto, esse bem que não podemos comprar e que sempre nos falta, não permitiu que o texto ficasse concluído a tempo. O título era este que podeis ver acima e que decidi manter porque mesmo depois dos votos, a França ainda não encontrou o caminho.
As sondagens entre as duas voltas davam a extrema-direita como vencedora, embora longe da maioria absoluta. Enganaram-se rotundamente. A extrema-direita (Rassemblement National) ficou em terceiro lugar, perdendo para o (Ensemble) campo de apoio a Macron e engolindo uma vitória inesperada (para as sondagens) da Esquerda (Nova Frente Popular).
Sempre gostei mais da França do que do Reino Unido ou dos Estados Unidos. Não gosto de Impérios. E embora a França também tenha sido um Império e tenha tido um Imperador que tentou levar o Império até Lisboa, a diversidade francesa sempre foi mais do meu gosto. Feitios.
A Revolução francesa deixou marcas boas e profundas e a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” foi uma delas. E não foi coisa pouca. Imperfeita, é certo, mas um enorme avanço para a época. “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, foi o lema da Revolução, está na Constituição francesa e apenas foi momentaneamente substituído aquando da ocupação alemã e do governo colaboracionista de Vichy. A França resistiu ao nazismo e foi terra de acolhimento para muitos que aí procuraram refúgio fugidos à perseguição em países vergados a uma qualquer ditadura. E tivemos o Maio de 68, um momento marcante do século XX, em que o Mundo pulou e avançou.
Por tudo isto e muito mais – como por exemplo as histórias de Nicole, Robert e Patapouf no livro de francês do Ciclo Preparatório – França sempre despertou o meu interesse. Colonizado através da cultura, poderão dizer. Pois que seja.
Certo é que ver a França a resvalar para o racismo, xenofobia, ódio aos imigrantes, divisão entre franceses “puros” e outros com dupla nacionalidade; resvalar para um afastamento da União Europeia e regresso ao nacionalismo retrógrado; tudo isso preocupa qualquer democrata que tenha por bússola a Liberdade e os Direitos Humanos.
Felizmente houve um sobressalto. Felizmente, nas urnas, a extrema-direita (Rassemblement National) foi travada. Mas, ainda assim, passou de 89 (eleições de 2022) para 143 deputados e obteve 8 744 080 votos na segunda volta destas legislativas. Se a estes votos juntarmos os do líder dos Republicanos e aqueles que o seguiram na aliança com o Rassemblement National teremos mais 1 364 964 votos (no conjunto, extrema-direita e aliados tiveram mais de 10 milhões de votos na segunda volta). A Nova Frente Popular conseguiu 182 deputados mas apenas 7 004 725 (cerca de 9 000 000 na primeira volta), enquanto o Ensemble (Macron) obteve 168 deputados e 6 313 808 de votos (um pouco mais do que na primeira volta). É verdade que Esquerda e campo de Macron tiveram mais votos, mas se o sistema eleitoral francês fosse diferente, o número de deputados da extrema-direita seria muito maior.
Será bom ter isto em conta nos dias agitados em que a política francesa procura uma solução de governo. Já houve um susto e não é garantido que a “Frente Republicana” (seja lá isso o que for…) volte a funcionar.
Por agora, os franceses ditaram a sentença através do voto que depositaram nas urnas: tal como escreveu José Régio, “não sei por onde vou, sei que não vou por aí” (extrema-direita). O povo recusou a extrema-direita, chegou o momento de ter juízo e não brincar com o fogo: entendam-se!
NOTA 1: para conferir resultados da 1ª e 2ª volta consultar https://www.resultats-elections.interieur.gouv.fr/legislatives2024/ensemble_geographique/index.html
NOTA 2: na primeira volta foram eleitos 76 deputados e, assim, não houve segunda volta nas respectivas circunscrições. Para além disso houve deputados (NFP e Ensemble) que desistiram para favorecer um outro deputado melhor colocado para derrotar o candidato da extrema-direita. Isto significa que o universo eleitoral foi mais reduzido e que o número de votos de NFP e Ensemble podem ter várias leituras.

One thought on “França, vê lá o que fazes!”